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35 itens encontrados para ""

  • Qual a importância do som no cinema?

    Trilha sonora é só o começo para entender de que forma o áudio molda toda a nossa interpretação sobre um filme Com a premiação do Oscar batendo na porta, listas e mais listas com os concorrentes são publicadas, comentadas e compartilhadas entre aqueles que querem assistir o maior número dos concorrentes antes da data. Melhor filme, melhor ator, melhor atriz, melhores coadjuvantes, melhor estrangeiro, diretor, roteiro original, montagem, enfim, as categorias são intermináveis e – muitas vezes – gera calorosas discussões sobre os possíveis vencedores. Contudo, dentro da extensa relação, alguns não recebem devida atenção ou até mesmo são descartados. Dentro dos chamados “prêmios técnicos”, praticamente tudo que se relaciona ao áudio nem sequer é entregue no palco do Dolby Theatre. O som parece algo tão simples e natural que, às vezes, o consideramos como mero complemento dentro da narrativa. Entretanto, suas possibilidades oferecem uma experiência única carregada de sentido que conduz as expectativas e sensações do espectador tal como um manipulador de marionetes que sabe precisamente qual corda puxar para que algo aconteça. O áudio estimula a mente humana a pensar sobre o enredo, envolve sentimentos, percepção dos mínimos movimentos, dá mais intensidade às emoções, dos ruídos mais simples aos barulhos mais estridentes, contextualiza o que se vê na tela e cria cenários por conta própria. Já no roteiro cinematográfico se encontram as primeiras considerações sobre quais sons são esperados para atingir aquilo esperado na cena. Posteriormente, na junção do diretor com toda a parte técnica das filmagens e pós-produção, o áudio finalmente se mescla ao visual e temos a completude do filme. Ele tem o poder de redirecionar as expectativas do espectador através de melodias, diálogos, efeitos e até o silêncio funciona como importante recurso para atingir os objetivos. Repare que – independentemente do gênero – se não se escuta nada gera-se o desconforto, tensão, inquietação e até comédia, forçando o público a se voltar para a tela na expectativa do que está por vir. Seus usos são complexos e as possibilidades infinitas. Porém, antes de mais nada, cabe discorrer sobre alguns conceitos gerais envolvendo o som nos audiovisuais que influenciam decisivamente seu resultado. Diegese é um termo que se refere ao mundo interno criado na história. Tudo que ocorre na ficção é verossímil porque está dentro do universo diegético do filme, ou seja, faz parte da existência própria da narrativa. É a realidade dos personagens, o meio em que vivem e como reagem aos acontecimentos de forma contextualizada. Desta maneira, som diegético são todos os áudios presentes no universo ficcional em que se passa a ação e tanto o personagem quanto o público conseguem escutá-lo. Além disso, ele pode ser “on screen”, ou seja, quando vemos/reconhecemos sua origem, ou “off screen”, em que somos capazes de identificar que pertencem ao universo em questão, mas não o vemos no quadro. Exemplificando, quem nunca se assustou junto ao protagonista com o barulho de passos no andar de cima em uma casa mal-assombrada? O filme nacional de 2012, “O Som ao Redor”, é um grande exemplo no que se refere ao som diegético. O longa é escasso de trilha sonora, isso quer dizer que não há músicas voltadas para o público. Os personagens ouvem e interagem com os barulhos que os cercam, como o constante latido dos cachorros, passarinhos, vento, arrastar de móveis, trânsito, alarmes, aparelhos, enfim, o filme chega ao ponto de ter diálogos em uma lavanderia com o constante ruído de uma centrífuga em que a dificuldade dos personagens em conversar é a mesma do espectador em entendê-los. O diretor Kleber Mendonça Filho transforma o áudio em elemento narrativo imprescindível que faz com que o público fique igualmente angustiado, incomodado e reflexivo. Do outro lado do espectro temos – portanto – os sons não diegéticos. Este tipo de áudio existe na narrativa, mas os personagens não podem escutá-lo, ficando seu conhecimento apenas para o público. A prática mais comum e de fácil entendimento é a trilha sonora, em que uma melodia é inserida na edição para gerar sentimentos frente aquilo assistido na tela. Famoso pelas músicas inseridas em seus filmes, o diretor Quentin Tarantino direciona e intensifica a compreensão da história pelas incomuns melodias selecionadas. Suas trilhas exercem forte papel em dialogar de forma síncrona com a narrativa, proporcionando continuidade para o enredo ao antecipar, contextualizar, emocionar e inquietar a plateia. No filme “Kill Bill”, por exemplo, toda vez que a protagonista Beatrix Kiddo encontra um vilão, o início da música “Ironside” de Quincy Jones toca de forma não diegética, ou seja, funciona como um claro aviso ao público de que um duelo está prestes a começar. Para finalizar, os sons meta diegéticos correspondem ao estado de espírito do personagem, ou seja, sua mente e imaginário. Oriundo de alucinações, sonhos, pesadelos, flashbacks, vozes internas e personalidades coexistentes, não acontecem no contexto real da narrativa, pois somente o espectador e o personagem em questão o escutam. Dentre suas funções, uma das mais importantes é fazer o público emergir ainda mais nas questões relacionadas a sua personalidade, medos, perturbações, agonias, pensamentos, reflexões e angústias. O lendário diretor Alfred Hitchcock usou dessa ferramenta - para muitos de forma pioneira - no filme "Blackmail" de 1929. A protagonista Alice comete um assassinato usando uma faca. Tempos depois, sua consciência pesa pela culpa, fazendo com que a personagem se sinta perseguida a todo momento. Em certa manhã, em uma conversa banal que acontece à mesa, a fala de suas amigas acaba sendo distorcida em sua mente. Alice para de prestar atenção no restante da conversa no momento em que escuta a palavra faca proferida por uma delas, sendo que, a partir deste momento, a protagonista e os espectadores passam a apenas ouvir a repetição consecutiva de “faca, faca, faca, faca...” mesmo com todo o entorno permanecendo indiferente. Ou seja, o público – e somente ele - passa a testemunhar seu remorso pelo som. Com uso semelhante, o vencedor de melhor filme no Oscar de 2015, “Birdman”, utiliza sons meta diegéticos ao ponto deles, ao longo da narrativa, se materializarem em cena. Toda a trilha sonora foi feita unicamente utilizando de instrumentos percussivos. As batidas funcionam como metáfora da mente perturbada de Riggan Thomson. Crescendo em intensidade, volume e arritmia, no começo pensamos não passar de um recurso não diegético (ou seja, sons que só o espectador escuta) utilizada pelo diretor Alejandro González Iñárritu para nos instigar e provocar. Contudo, da metade para o final do filme, o personagem começa a enxergar um baterista em diversos lugares do cenário, revelando assim ao público que desde o começo do filme todas as batidas percussivas eram igualmente escutadas por Thomson. Ele olha na direção do músico, sabe que é uma ilusão e continua com a vida ruidosa em sua mente. Aqui na Fauno Filmes, em uma produção recente, utilizamos de tal conceito para demonstrar o desconforto que se alojou na mente do nosso protagonista. O vídeo faz parte de uma campanha sobre o desperdício de água e se utiliza de um constante som meta diegético para demonstrar como o sentimento de culpa pelo descuido frente ao meio-ambiente pode nos “perseguir”. Após se preparar para dormir, o personagem deita e se mostra relaxado. Contudo, o barulho de uma simples gota d’água é o suficiente para tirar seu sono. Assista o vídeo em: https://vimeo.com/465102184

  • A representação dos animais pelo cinema Hollywoodiano

    Como roteiristas e diretores utilizam dos bichos para falar sobre nós O que passa pela sua cabeça ao escutar a palavra “hiena”? Ou então, sem contexto algum, o que surge na sua mente ao ler a palavra “babuíno”? É praticamente impossível não acessarmos em nosso imaginário certas imagens destes animais atreladas ao filme “O Rei Leão”, de 1994, que tanto impactou o cinema e uma geração. A representação dos bichos é algo construído ao longo dos séculos dentro da cultura humana e sensibiliza decisivamente nossa percepção não apenas sobre os animais, mas de seus usos dentro de uma narrativa. As hienas são vilãs; o lobo é mau; o porco é inocente; tubarões são assassinos; peixes-palhaço são engraçados; orcas só querem matar; corujas são inteligentes. Não é de hoje que nos apropriamos do mundo animal e a eles “emprestamos” características humanas. As fábulas ressurgiram no século XVII como uma forma velada de crítica social em que muitos escritores atribuíam aos bichos o poder da palavra e da razão, descrevendo-os como criaturas sensíveis, inteligentes e emotivas. Desta forma, suas histórias tratavam metaforicamente a sociedade através da incorporação de sentido aos animais, mas que, na verdade, estavam falando sobre nós o tempo todo. No cinema não seria diferente. Ele se formou tendo por base um arcabouço referencial de outras artes, de outras manifestações culturais, mas rapidamente criou sua própria linguagem e usos. E foi através da repetição de formas, do contato cotidiano com todos os tipos de plateias, que o seu vocabulário tomou forma e se expandiu, com cada cineasta enriquecendo o vasto e invisível dicionário que hoje todos nós consultamos ao vermos um filme. Afinal de contas, nunca entramos em uma sala de cinema – ou damos play no streaming – de forma inocente. No contato com o conteúdo, a todo momento estabelecemos uma troca entre aquilo mostrado com nossas visões de mundo, gostos pessoais e estereótipos. Muitos destes, inclusive, são fruto daquilo que consumimos anteriormente em outros filmes e que carregamos para o próximo. Isto acontece em muitos casos com animais que integram uma narrativa cinematográfica. De tanto vermos suas construções regressas, já esperamos algo quando eles aparecem na tela. O audiovisual se apresenta enquanto linguagem que representa determinado imaginário e que é compreendido por seus espectadores devido à unidade cultural compartilhada entre todos. Um diretor, roteirista, fotógrafo e/ou produtor acessa estas representações já assimiladas por boa parte das pessoas para ativar sentimentos, reações e opiniões – “de que maneira posso fazer meu público ficar nervoso, empático, amoroso ou então ter medo sem perder tanto tempo?”. Em muitos casos é só ativar o que já está lá no inconsciente. Exemplificando, logo na primeira cena da premiada série “House of Cards” da Netflix, o diretor David Fincher procura estabelecer perante o público algumas das principais características do seu protagonista: Frio, calculista e impiedoso. Em uma caminhada já de noite, Frank Underwood escuta de longe um acidente de carro. Chegando no cruzamento, encontra um cachorro atropelado ainda agonizando de dor. Sem titubear, mata o animal e diz para a câmera que o trabalho dele enquanto senador dos EUA é justamente fazer aquilo que as pessoas não têm coragem. Esta sequência em si já diz muito sobre o personagem, mas também revela nossa percepção sobre o uso do animal para chegar a este fim. Imagine uma outra abertura para a série em que, ao invés do cachorro, Frank mata um ser-humano a sangue frio. De certa forma ficaríamos impactados, mas nosso inconsciente nos levaria a indagar sobre suas motivações, o que possivelmente aquela pessoa o fez anteriormente, qual o vínculo estabelecido entre os dois, enfim, não seria conclusivo pois já estamos acostumados com cenas desta natureza em Hollywood. David Fincher, então, utiliza o “melhor amigo do homem” propositadamente. Ele não quer dúvidas pairando na plateia. E qual melhor maneira de fazer isso do que mostrar o protagonista matando um inocente, companheiro e amoroso cão logo de cara? Se utilizando do cachorro, o diretor dá um cartão de visita claro sobre o personagem se pautando na visão pregressa do espectador, da unidade cultural compartilhada entre todos sobre o animal em questão. Scooby-Doo, Beethoven, Rin-Tin-Tin, Marley, Pluto. O cachorro detém extenso legado cultural dentro do cinema, indo desde o papel de “bons rapazes" até heróis que ajudam seus donos a solucionar crimes. Ao longo dos 15 mil anos de sua domesticação, tivemos muito tempo para cultivar relações de proximidade e estabelecer uma mitologia em torno do cachorro que é reforçada a cada novo lançamento nos cinemas. Quando um cão entra em cena, nós, como público, pressupomos várias características que são normalmente comprovadas ao longo da narrativa. Leais, fiéis, corajosos, de coração puro e inocentes que, caso sejam vilanescos, apenas refletem a condição que foram tratados por seus donos. Afinal de contas, não existe cão mau, apenas humanos inescrupulosos. Nada melhor do que trazer um filme de James Bond para elucidar tal afirmação. Tendo vilões em sua maioria caricatos, na obra “007 Contra o Foguete da Morte”, o antagonista Hugo Drax é um bilionário que busca destruir a raça humana, fugir para o espaço e lá começar do zero, inaugurando assim uma linhagem que prima pela ordem e obediência. O personagem se torna ainda mais clichê uma vez que possui como fiéis guarda-costas dois rottweilers que o obedecem a todo custo. Frios, calculistas e inteligentes como seu dono, durante a narrativa eles acompanham o agente secreto de perto, atacam quando solicitados e intimidam visitantes por conta de seu porte forte e, ao mesmo tempo, elegante. Em suma, refletem diversas das características de Drax ao passo que, quando o vilão é finalmente derrotado por Bond, em um passe de mágica o temperamento dos cães acompanha a mudança. Cachorros, portanto, representam o nosso melhor “eu”. Do mesmo modo, a corrupção de um cão denota o nosso pior “eu”. Partindo desta premissa, a Fauno Filmes realizou um vídeo em que tais preceitos serviram como base para a criação do argumento envolvendo maus tratos em animais. Participando de uma campanha de conscientização, o desafio era justamente abordar o tema sem utilizar cenas reais dos bichos em situações de abandono e violência. Por isso, durante a produção, os animais foram substituídos por semelhantes de pelúcia. Desta forma, além de utilizar elementos presentes no imaginário das pessoas acerca dos cachorros, outra camada de simbolismo se dá perante o espectador. A inocência dos cães complementa a inocência infantil dos brinquedos, gerando assim situações desconfortáveis mesmo sabendo que são objetos inanimados. O audiovisual se completa não na tela, mas na consciência de quem o assiste graças ao referencial que o espectador já possui. Assista ao vídeo no link: https://vimeo.com/manage/videos/468303777

  • Efeitos Práticos x Efeitos Visuais

    De Ben-Hur a Game of Thrones, no que a computação gráfica impactou as produções Hollywoodianas Hoje em dia, cinema é tanto uma manifestação artística quanto indústria, criando assim um mercado multibilionário focado principalmente no entretenimento. Ao longo de suas décadas, a balança estabelecida entre o cultural e o financeiro por vezes pendia mais para um lado do que para o outro. Durante a chamada “Era de Ouro de Hollywood”, que é inaugurada na década 20 e dura até o final de 1940, os estúdios produziam filmes igual uma linha de produção fordista. Uma série de gêneros diferentes emergiram perante a necessidade de abarrotar salas de cinema pelo mundo, como foi o caso dos westerns, a comédia pastelão, filmes noir, musicais, desenhos animados, biografias e até mesmo o cinejornal. Por se enquadrarem facilmente em moldes de produção, sua replicabilidade obedecia quase exclusivamente às necessidades de distribuição e exibição. As empresas cinematográficas ganhavam dinheiro ao operarem sob o chamado “Sistema de Estúdio”, em que as companhias mantinham milhares de pessoas em salário permanente, como atores, produtores, realizadores, escritores, dublês, artesãos e técnicos. Além disso, eram proprietários de centenas de salas de exibição pelo mundo – teatros estes que mostravam seus filmes e que estavam sempre em alta demanda por material fresco. Contudo, aos poucos, este sistema foi perdendo forças graças ao surgimento de uma nova tecnologia revolucionária que mudaria para sempre os hábitos de consumo. Sem ver motivos para sair de casa, o audiovisual passou paulatinamente a ocupar a sala de estar graças à televisão. "A nova Hollywood" e "cinema pós-clássico" são termos utilizados para descrever o período após o declínio do “Sistema de Estúdio” nos anos 50. Afinal de contas, porque sair do conforto do meu sofá para ver filmes em um cinema tendo que, ainda por cima, pagar por isso? Pela necessidade, a indústria cinematográfica se adaptou e repensou seu modelo de produção. Desde então, os filmes norte-americanos criaram um novo formato: os blockbusters. Com a finalidade de legitimar o cinema como o local ideal para se ter toda a experiência audiovisual, tirando assim as pessoas de casa, os estúdios passaram a depender de um punhado de lançamentos extremamente caros para se manterem rentáveis. Tais blockbusters enfatizavam o espetáculo, a força de atores e atrizes extremamente conhecidos e o elevado valor de produção. Estes filmes de orçamentos astronômicos dependiam do sucesso prévio de suas estrelas e da publicidade maciça para atrair uma enorme audiência. Ao invés de produzir centenas de obras no ano, agora, os estúdios se programavam para lançar uma dezena de filmes capazes de gerar filas de dobrar o quarteirão. Aclamados pela crítica e bem-sucedidos nas bilheterias, é neste período que nomes como Coppola, Spielberg e George Lucas surgem e foram responsáveis por moldar o modelo comercial vigente até os dias atuais. “O Poderoso Chefão”, “Tubarão” e “Star Wars” moldaram toda uma geração e estabeleceram aos estúdios a necessidade em cada vez mais produzirem êxitos que fatalmente façam parte da cultura popular mundial. Foi o caso do filme “Ben-Hur” do diretor William Wyler, de 1959, que teve o maior orçamento e os maiores cenários construídos na história do cinema até então. Para as cenas de ambientação e batalhas, mais de duzentos camelos, 2,5 mil cavalos e dez mil figurantes foram contratados e minuciosamente coordenados nos sets criados para o filme. A produção durou um ano, inclusive com a batalha marítima sendo realizada com efeitos práticos em um grande tanque de água nos estúdios da MGM. Sem contar com a praticidade, barateamento e acesso que a computação gráfica dos dias de hoje proporciona, tudo tinha que ser feito do zero e pronto para a câmera. Por este motivo, os gastos com produção foram os primeiros até então a superar a casa dos 15 milhões de dólares – algo gigantesco para a época. Dando um salto temporal para os dias de hoje, outro audiovisual de gastos consideráveis quanto a sua feitura diz respeito a “Game of Thrones”. Ao longo de oito temporadas e mais de sessenta episódios, a obra inspirada nos livros de Martin foi – assim como “Ben-Hur” em seu tempo – a série mais cara até então, cujas filmagens envolveram até quatro unidades paralelas e a produção de efeitos visuais exigiu a participação simultânea de quatorze estúdios em diferentes países. Pode parecer muito, mas a realidade do audiovisual atual mostra cada vez mais uma mudança nos esforços, se concentrando muito mais para a pós-produção do que nas filmagens em si. As capacidades das imagens geradas por computador (CGI) ultrapassaram tudo o que as gerações anteriores de artistas poderiam ter imaginado. Cenas e personagens inteiros podem agora serem criados digitalmente. O polimento digital pode tirar anos ao rosto de um ator, baixar o seu peso em alguns quilos ou fazê-lo um exímio cavaleiro ao brandir sua espada. Inclusive, os efeitos visuais reduzem custos. Tomando por exemplo as obras aqui citadas, começamos com “Ben-Hur”. Na clássica cena da competição em bigas, todo o cenário foi construído pelo estúdio. Contudo, para dar a dimensão magnânima pretendida, a parte superior do estádio foi feita com maquetes móveis que emulavam o público. Ou seja, a ilusão se dá por um truque de ótica, mas que precisou ser feito de maneira prática em set – o que custou 1/15 de todo o orçamento. Já em “Game of Thrones”, toda e qualquer batalha de proporções épicas tem como amigo o CGI. Apenas uma parte é real, feita com atores e itens de cena. O resto é replicado em computação e, a partir deste ponto, o céu é o limite. A flexibilidade do digital "resolve questões de marketing, questões históricas, questões de atores, questões financeiras. Tornou-se a panaceia da indústria cinematográfica", disse Scott Ross, co-fundador do estúdio de efeitos Digital Domain, que produziu efeitos visuais para Titanic e Apollo 13. Contudo, ele destaca a importância em “criar situações harmoniosas entre o prático com o virtual para assim, dentro de uma proposta única de linguagem e de arte, tudo culmina em uma experiência única para o espectador em que ele se deixa levar pela narrativa sem distinções”. De igual forma, pensamos aqui na Fauno Filmes. O acesso às tecnologias gráficas proporcionou grandes mudanças nas produtoras ao redor do mundo, já que efeitos antes impraticáveis, agora, fazem parte de produções dos mais variados portes. Mesclar situações reais de set com o digital foi algo pensado no nosso último filme intitulado “2021: Uma Nova Odisseia no Espaço”, em que 90% do material finalizado conta com computação gráfica. Contudo, adequações e cuidados no roteiro, direção e filmagem precisam ser feitos para que, no final, tudo saia harmonioso e posto a serviço da história. Aliar o prático com o virtual se faz necessário cada vez mais para ampliar as possibilidades de comunicação. Os efeitos visuais funcionam como soluções criativas para fazer as mais impressionantes narrativas que o público se apaixonará. Eles não são o fim, mas o meio. Confira nosso filme de ficção espacial – “2021: Uma Nova Odisseia no Espaço” - em https://vimeo.com/639640675

  • Isolamento compartilhado: os encontros à distância

    Em tempos de pandemia cada vez mais as pessoas foram obrigadas a permanecer em isolamento social. Tarefa complicada em diversos aspectos, pois afinal, como manter próximo quem precisa permanecer distante? Entre as adaptações necessárias para tentar se aproximar ao máximo da normalidade pré-pandêmica, a ferramenta mais utilizada foi o audiovisual. As pessoas veem o mundo através de uma tela, o poder da imagem se faz presente nas salas de aula, reuniões de empresas, festas de aniversário, shows e todo o tipo de evento presencial, os quais foram transferidos para o virtual. As substituições foram graduais, escolas migraram para o modelo EAD com videoaulas online, empresas fazendo home office, comediantes, cantores e pessoas que dependem de eventos presenciais começaram a se adaptar para o modelo online através de transmissões ao vivo via redes sociais. Os exemplos de ressignificações são inúmeros, é preciso se reinventar para não parar. E foi assim que as pessoas, aos poucos, começaram a pensar no audiovisual com outros olhos. Ninguém quer que o chefe veja aquela toalha molhada em cima da cama ou a bagunça no quarto. Então, muitas vezes sem perceber, as pessoas passaram a refletir sobre formas de melhorar a sua performance nas telinhas. Seja o enquadramento, a iluminação, um cenário bonito para as reuniões importantes… aspectos comumente pensados em sets de filmagem por diretores agora são preocupações do cotidiano da maioria da população que enfrenta o isolamento social. A consequência disso foi a melhora na qualidade dos vídeos desde o início da pandemia para agora, quase um ano depois. Profissões nasceram nesse meio tempo impactando o mercado de trabalho. As famosas blogueiras de instagram, youtubers e streamers ganharam força, a câmera do celular virou instrumento de trabalho e noções de linguagem cinematográfica e até mesmo edição de vídeo se tornaram comuns para quem quer obter sucesso na área. Cantores passaram a se preocupar em como manter a renda mesmo sem fazer shows, e a saída foram as lives, muitas vezes transmitidas a partir da casa do artista. Existem vários tipos de live, mas as mais populares são os musicais. Segundo o Youtube, os shows virtuais de Marília Mendonça (3,31 milhões de visualizações, em 8 de abril), Gusttavo Lima (2,77 milhões de visualizações, em 11 de abril) e Jorge e Mateus (3,24 milhões de visualizações, em 4 de abril) estão entre os mais assistidos no mundo. Além de ser uma boa fonte de renda, relatos de cantores, como Gustavo Lima, revelam que a interação com os fãs pela internet é uma motivação para continuar fazendo o seu trabalho. É uma forma do ídolo ficar próximo dos fãs e não ser “esquecido”, mesmo sem os shows presenciais. Junto com o aumento no número de lives, veio o aumento no uso da internet. De acordo com o Painel TIC COVID-19, desenvolvido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), durante o período de quarentena, ocorreu um aumento expressivo no uso de serviços pela internet, mudando os hábitos dos brasileiros. Isso inclui compras online, (66% dos usuários de internet fizeram compras de produtos ou serviços online), busca por entretenimento como filmes e séries (43% dos brasileiros conectados pagando por serviços de filmes ou séries pela internet) e pesquisas na internet sobre saúde. Toda essa situação pandêmica antecipou tendências que estavam sendo implantadas gradativamente. Uma delas foi o home office, uma saída que a maior parte das empresas adotou para manter seus funcionários em segurança e ao mesmo tempo não interferir na produtividade da empresa, inclusive, 73,8% das empresas no Brasil pretendem instituir o home-office após a pandemia de acordo com estudo realizado pela consultoria Cushman e Wakefield. Visto o sucesso do home office e a necessidade de os trabalhadores aprimorarem seu desempenho perante as câmeras, alguns especialistas fornecem dicas, como o uso de equipamentos para otimizar a videoconferência. Ao invés de ter a câmera integrada no computador, utilizar equipamento externo para garantir melhor qualidade na imagem. Além do uso de headset, para diminuir barulhos externos e ruídos indesejáveis. Ou, ainda, adquirir um sistema completo de videoconferência sem precisar do computador, o qual oferece câmera UHD integrada ao microfone e barra de som. Outra dica para melhorar o som do vídeo é amenizar a acústica no espaço de trabalho para evitar ecos, isso pode ser feito incluindo plantas, móveis, cortinas ou outros objetos no ambiente. Além de melhorar a acústica, ajuda a melhorar o cenário das transmissões. Porém, apesar de facilitar em alguns aspectos, também trouxe pontos negativos, como a dificuldade em separar o tempo de trabalho e o tempo privado. Sem um chefe ao lado ou cobranças, a procrastinação pode tomar conta do ambiente, é fácil perder o controle, ocasionando muitas vezes estresse e exposição à riscos para a saúde mental. Inclusive, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país que apresenta maior prevalência de depressão na América Latina. É também o país mais ansioso do mundo. Além da instabilidade mental, outro problema enfrentado é a instabilidade política e social. De acordo com Susan Hayter, consultora técnica sênior sobre o futuro do trabalho na Organização Internacional do Trabalho (OIT), historicamente falando, pandemias e choques econômicos causaram grande desigualdade social. Nem todas as pessoas possuem o privilégio de trabalhar remotamente, e quem não possui precisa perder tempo e dinheiro no deslocamento até a empresa, e, em alguns casos, corre o risco de perder o emprego. Segundo o IBGE, o Brasil encerrou o mês de novembro de 2020 com 14 milhões de desempregados, 200 mil a mais que em outubro e quase 4 milhões a mais que em maio. Apesar do grande número de desempregados, uma variação trabalhista que está ganhando cada vez mais espaço são as habilidades comportamentais e competências subjetivas, chamadas soft skills, segundo especialistas do mercado. O mundo inteiro está passando por um momento delicado, prezar pelo bem estar é essencial, e possuir funcionários que tenham facilidade para lidar com pessoas e mantenham certa estabilidade emocional em conjunto com habilidades sociais, virou um grande diferencial. É curioso, mas em algumas situações foi o isolamento social que tornou as pessoas mais próximas, íntimas. Não é todo dia que um fã consegue estar “dentro” da sala de estar do seu ídolo. As pessoas foram humanizadas, uma época de fragilidade emocional fez com que o mundo se abrisse para as câmeras e revelasse um pedaço da vida pessoal. As câmeras transformaram o pessoal em público. Até mesmo programas de televisão e jogos esportivos sofreram alterações, as tradicionais plateias em programas de auditório foram substituídas por telas, onde cada pessoa aparece dentro de sua própria casa, diretamente para as câmeras do programa. São câmeras filmando outras câmeras, a grandiosidade e alcance do vídeo ultrapassou barreiras, não apenas une o que está longe mas dá um novo significado para esses encontros a distância. O fato é que as relações humanas foram alteradas. Mas o que as torna únicas? A resposta é: o audiovisual. Se não fosse pelo vídeo, a comunicação se daria através de textos corridos, mensagens automáticas ou emails que qualquer um pode mandar ou receber. O vídeo, em conjunto com a tecnologia, tem o poder de acolher, transmitir sentimentos, comemorações, ensinamentos e até mesmo intrigas. Constrói amizades, une familiares e ameniza a saudade. O que antes era uma forma de entretenimento, se aperfeiçoou para um estilo de vida. Vivemos o audiovisual. Seria a vida imitando a arte? A pandemia está durando mais tempo do que a maioria das pessoas imaginavam. Mas e depois, como será? Essas construções culturais estabelecidas dentro da pandemia a partir do audiovisual irão permanecer? É difícil afirmar, mas certamente o audiovisual foi responsável por mudanças comportamentais que serão sentidas por algum tempo, porém, isso são cenas para os próximos capítulos.

  • Cinema e videoclipe: O que Franz Ferdinand tem a ver com o Construtivismo Russo?

    Todos os seres humanos estão inseridos em uma sociedade e sofrem influências socioeconômicas, culturais e dos meios de comunicação, como por exemplo, a TV, a internet e o cinema. As percepções de cada um são construídas com base nas experiências de vida, por isso, elas são tão diferentes e variadas. Seja o jornal, a série de televisão, as redes sociais, sites de notícia ou vídeos de canais no Youtube, tudo o que é consumido contribui na formação da identidade de uma pessoa e é refletido nos seus gostos, vontades e posicionamentos. Já parou para pensar o motivo da sua banda favorita ser a sua banda favorita? Provavelmente você foi influenciado por algum meio, seja família, internet, livro ou um post no Instagram. Hoje em dia o mundo está cada vez mais dinâmico, as pessoas possuem uma necessidade de urgência e estão conectadas o tempo todo. Muitas vezes uma mesma mídia pode acarretar em opiniões diferentes e essa pluralidade ajuda a desenvolver uma sociedade cada vez mais diversificada. Inclusive, até mesmo a forma de compartilhamento de informações pode variar e interferir, pois cada indivíduo possui um hábito próprio, e a mesma informação pode ser disseminada de uma maneira em um site de notícias e de outra em uma mensagem no whatsapp. Tudo varia de acordo com a percepção de cada um e quais são as suas influências e repertório pessoal. E no meio de tantas fontes e modos de ver diversificados, as pessoas constroem relações sociais, mas por terem experiências tão diferentes, acabam estabelecendo um intercâmbio de linguagens que as leva até a pluralidade cultural. Constantemente, conceitos já estabelecidos dentro de uma sociedade são ressignificados e apropriados. Dessa forma, novas linguagens são criadas mesmo que os indivíduos estejam inseridos no mesmo meio. Inclusive, é o que acontece na comunicação através do audiovisual. Um exemplo dessa comunicação está nos videoclipes. Eles ganharam um novo espaço dentro do audiovisual para explorar novas formas de linguagem derivadas da fotografia, publicidade, cinema, televisão e as artes plásticas. Os artistas transitam entre diferentes tipos de linguagem, o que resulta em construções expressivas e poéticas. Dessa forma, o videoclipe deixou de ser apenas uma sequência de imagens que ilustra a música e passou a ser uma experimentação artística poética dentro de um ambiente audiovisual. A narrativa do vídeo sofreu alterações, sua edição com efeitos especiais e aspectos característicos da linguagem cinematográfica transformaram sua essência. Pense no seu videoclipe favorito. Certamente existiram algumas preocupações como a fotografia, iluminação, processos na edição para alterações das imagens e tratamento nas cores para criar uma atmosfera e linguagem que a banda almeja para representar não só a música, mas também o seu conceito. Dessa forma, o videoclipe incorporou características vinculadas ao cinema, à TV e até mesmo à internet. A interrelação desses elementos gera uma linguagem diferenciada, híbrida. É a apropriação de um conteúdo para criar uma nova narrativa. Uma forma de ressignificação de linguagem ocorre no videoclipe da música Take Me Out da banda Franz Ferdinand. O vídeo é de 2004 e é recheado de referências e apropriações de um movimento chamado Construtivismo Russo. O Construtivismo Russo foi um movimento artístico que defendia uma arte para o povo. O ano era 1917 e poucas pessoas eram alfabetizadas, então, para fácil entendimento de todos e para a arte atingir um número grande de pessoas, e não apenas a classe privilegiada, ele possuía algumas características marcantes. Entre elas estão o uso de formas geométricas, cores primárias, tipografia sem serifa, elementos industriais e a utilização de materiais como madeira, vidro, ferro e aço para a fabricação das peças de arte. As raízes do construtivismo foram se popularizando e gerando ecos ao passar dos anos. Ideias semelhantes com o seu conceito passam por um processo de aperfeiçoamento e, através da linguagem, originam novas representações e perspectivas artísticas diferentes. É o caso do videoclipe em questão. E como um movimento artístico tão antigo pode estar relacionado com um videoclipe tão atual? Simples, aspectos do movimento foram adequados à mensagem que a banda gostaria de transmitir. Um exemplo é o lettering com a mesma tipografia utilizada nos cartazes russos, feitos pelos artistas da época. As formas geométricas triangulares e até mesmo as cores são derivações. O vermelho era uma cor característica do movimento e está presente em diversas partes do vídeo, como é possível observar na comparação entre takes e peças de arte abaixo. Legenda: Imagem vídeo clipe da música Take Me Out (2004). Legenda: Cartaz “Trade Union is a Defender of Female Labour”, Alexander Rodchenko (1925). Fragmentos geométricos também são incorporados no videoclipe, trazendo forte influência das obras do artista construtivista El Lissitzky, como pode ser visto nas figuras abaixo. A única diferença é que no clipe os fragmentos estão em movimento, e, no quadro, eles são estáticos. É a apropriação da arte plástica na arte audiovisual. Legenda: Imagem vídeo clipe da música Take Me Out (2004). Legenda: “Wendingen”, El Lissitzky A estética da máquina, vigente na realidade em que o movimento artístico foi criado, também é representada no clipe. Nos takes abaixo é possível conferir isso. Os corpos robotizados e as engrenagens são comparados com as peças plásticas feitas com materiais de ferro e aço. Ou seja, é um rastro da linguagem utilizada em 1917, agora ressignificado para um videoclipe de uma banda de rock alternativo dos anos 2000. Legenda: Imagem vídeo clipe da música Take Me Out (2004). Legenda: Vídeo clipe da música Take Me Out (2004). Mas afinal, depois dessas comparações estabelecidas, será que o público precisa possuir todo esse repertório sobre arte e cinema russo para entender o videoclipe da banda? A resposta é não, e essa é a beleza da ressignificação e apropriação. Não necessariamente você precisa entender e estar a par de toda a construção da linguagem ou representação de algo. Como dito no início desse texto, cada um de nós possui um repertório distinto, e temos modos de ver diferentes, e é aí que mora a beleza do audiovisual. Mesmo com fontes similares, nada nunca será igual. Sendo possível utilizar antigas perspectivas para criar novos aspectos, por exemplo, um videoclipe. Depois dessa reflexão, você se recorda de algum clipe que te fez lembrar imediatamente de um filme? Por qual motivo? Foram os personagens, a paleta de cor, os enquadramentos, a ambientação? Essas relações são muito mais comuns do que as pessoas imaginam!

  • Filmes preconceituosos e a cultura do cancelamento. Como lidar?

    Os movimentos sociais em defesa da não discriminação de raça, cor, gênero e orientação sexual têm ganhado cada vez mais seguidores nas últimas décadas. Exemplos disso são a celebração anual do Orgulho LGBTQ+, muitas leis que restringiam direitos a esses grupos sendo revogadas e novas leis que visam a proteção dessas minorias, como a Lei Maria da Penha, que protege mulheres vítimas de violência doméstica, sendo aprovadas. E, mais recentemente, as manifestações que adquiriram um caráter mundial devido ao assassinato do americano negro George Floyd, morto por um policial que o imobilizou colocando um joelho em seu pescoço e acabou estrangulando-o até a morte. A aceitação desses movimentos fomenta diversos debates na atualidade sobre novas produções culturais que podem desrespeitar minorias ou não representá-las de acordo com a realidade. Mas e em relação às produções de antigamente? As histórias clássicas da infância, os primeiros longa-metragens, o uso do blackface no teatro e cinema. Como deve ser esse olhar para produtos problemáticos do nosso passado? Um olhar crítico ou compreensível? Engana-se quem pensa que filmes como "...E O Vento Levou", "Gatinhas & Gatões" e "Alladin" não foram vistos como problemáticos por ninguém em suas respectivas décadas de 1930, 1980 e 1990. De acordo com a apresentadora do programa australiano de entrevista com cineastas The Screen Show, Lauren Carroll Harris, "O que acontece é que as pessoas que apontavam os problemas naquela época não eram ouvidas e sofriam gaslighting" (Gaslighting é uma forma de abuso psicológico que é usada para fazer a vítima duvidar das próprias convicções e memórias). Mas o que antes não era levado a sério é hoje alvo de duras críticas. Um dos episódios mais controversos do cinema ocorreu apenas algumas décadas após a invenção da sétima arte. "O nascimento de uma nação" do diretor D. W. Griffith, lançado em 1915, é conhecido por ser tão inovador quanto racista. Em uma época em que o cinema ainda tinha muito a experimentar e descobrir, ele resolveu arriscar. De ângulos novos à invenção do "flashback", ele contribuiu muito para a estética do cinema contemporâneo e foi reconhecido por isso. O filme foi o primeiro a ser exibido na casa presidencial dos Estados Unidos da América. O longa de três horas de duração, entretanto, hipersexualiza homens negros e os coloca como um perigo para a segurança de mulheres brancas, enquanto celebra a fundação da Ku Klux Klan e a supremacia do sul escravocrata dos EUA. De um lado, a tecnicidade vanguardista implantada por Griffith colaborou em termos a estética do cinema que vemos até hoje sendo implementada e, por outro, trouxe uma narrativa totalmente devotada em promover o racismo baseado no imaginário segregacionista da época. Por este motivo, nas palavras do diretor e ativista Ava DuVernay (reconhecido recentemente por seu trabalho que concorreu ao Oscar por “Selma”), “o primeiro blockbuster feito nos Estados Unidos ainda é capaz de despertar todo tipo de sentimento controverso. D.W. Griffith, um inovador diretor, que graças a sua enorme competência em filmar fez com que ele estivesse na vanguarda do cinema, no fundo, era igualmente racista. Se você minimamente acredita na igualdade entre as pessoas, ‘O nascimento de uma nação’ com certeza vai ser uma das piores experiências que você vai ver na vida. Mas, se você se interessa pela história do cinema, deve tentar superar esta asquerosa barreira para entender como chegamos até aqui”. Legenda: Clássico adolescente de John Hughes, o filme é acusado de glorificar o abuso sexual, e até conta com a fala de um dos personagens masculinos "Eu poderia violá-la de dez maneiras diferentes se eu quisesse". Em junho deste ano, outro roteirista, diretor e ativista dos direitos sociais, John Ridley, ganhador do Oscar de Melhor Filme por "12 Anos de Escravidão", pediu que a plataforma de streaming HBO Max retirasse do catálogo o filme "...E O Vento Levou". Segundo ele, o clássico glorifica a escravidão nos Estados Unidos e quando não está fazendo isso, perpetua um dos estereótipos mais dolorosos de pessoas de cor. Esse episódio reativou a discussão sobre o que deve ser feito com produções culturais que transmitem mensagens racistas, misóginas, homofóbicas ou xenófobas. Por um lado, pode-se pensar que é necessário ter contato com obras problemáticas para que haja um debate crítico sobre o assunto. Pelo outro, manter obras preconceituosas em catálogos parece uma maneira de continuar gerando receita para quem as escreveu e não deixar uma mensagem clara o suficiente sobre o quão negligente é transmitir essas ideias para um público que busca entretenimento. Quem pensa em manter esses filmes nos catálogos segue a linha de raciocínio de que os personagens e as situações retratadas nos filmes não precisam ser moralmente aceitáveis, e que os filmes não precisam ser a reprodução das crenças individuais do espectador. Esse público entende que produções audiovisuais devem ser consumidas criticamente, e em contato com conteúdos antagonistas é possível furar a bolha da realidade que o público vive. Além disso, assistir filmes controversos de tempos passados é importante para entender mais sobre a história do cinema e quem eram as vozes predominantes na sociedade em determinadas épocas e localizações. Além disso, este pode ser um bom exercício para aprender a olhar as coisas do passado com uma lente diferente daquela que encara o presente, tentando entender as crenças e costumes daquele determinado período da história. Por último, deletar partes da história que foram controversas é também encarado como apagar conquistas da resistência. É o caso do filme/animação de comédia da Disney "A Canção do Sul" de 1946, que tem James Baskett como 'Tio Remus', contando sobre o folclore negro para crianças brancas de um dono de plantação durante o período da escravidão. Embora na época James Baskett nem pudesse participar da cerimônia do Oscar devido a segregação de negros e brancos nos Estados Unidos, em 1949 ele se tornou o primeiro ator negro a ganhar um prêmio da academia. Legenda: Considerado como "O filme que a Disney não quer que você veja", a produtora nunca relançou o longa e não pretende adicioná-lo ao catálogo do Disney+, sua plataforma de streaming. Quem defende a retirada de filmes preconceituosos dos catálogos alega que é muito difícil entender que um filme possui características controversas quando não há um conhecimento base sobre racismo, misoginia, homofobia e xenofobia. Quando crianças ocidentais assistem a versão de 1992 de Alladin, elas não entendem que os árabes estão sendo estereotipados, que Alladin fala e age como um estadunidense e que há uma grande falta de representação feminina. Há, ao invés disso, uma aceitação de que aquela é a realidade de pessoas do Oriente Médio. Além disso, manter filmes que reforçam esses pensamentos nos catálogos faz com que as produtoras continuem recebendo dinheiro por essas produções, não transmitindo uma mensagem tão clara quanto a rejeição. Um exemplo recente envolveu o filme "Green Book", baseado na história real de um pianista negro que precisava contratar um motorista e guarda-costas branco para fazer uma turnê pelo sul dos Estados Unidos na década de 1960. Ele contrata Tony Lip, um italiano residente da periferia de Nova Iorque que aceita o serviço. O filme recebeu duras críticas durante seu lançamento por promover a ideia do "branco salvador", focando mais na história do italiano do que do pianista, Dr. Don Shirley, e por ter uma produção composta quase completamente por pessoas brancas. Apesar disso, o longa recebeu o Oscar de Melhor Filme em 2019, competindo com produções de alto protagonismo negro como "Pantera Negra", do diretor Ryan Coogler e "Infiltrado na Klan", de Spike Lee. Legenda: No discurso de aceite do Oscar de Melhor Filme de Green Book, apenas sete das 26 pessoas que subiram ao palco eram negras. Este é um assunto complexo que envolve o protagonismo de grupos que ainda têm suas vozes abafadas de diversas maneiras por uma indústria que tende a preservar o conservadorismo em suas produções e pensamentos, como Hollywood. Por isso, é importante saber de quem se enxerga bem ou mal representado nas telas de cinema: qual é a sua posição a respeito deste tema? Você é a favor à retirada de filmes preconceituosos dos catálogos? Se sim, quem deve fazer esta curadoria? Se não, o acesso deve ser limitado ou facilitado tal como qualquer outra produção audiovisual? Fontes consultadas: It turns out your favorite movie is racist. What now? Realising your favourite childhood films are problematic Braincast - Quando a arte envelhece mal: apagar, explicar ou alterar? Musa dos anos 1980, Molly Ringwald critica filmes de John Hughes por 'misoginia' Green Book: O Guia - O filme "negro" de brancos para brancos" Why ‘Birth of a Nation’ is still the most racist movie ever

  • Como a história do Cinema ao Ar Livre pode auxiliar o futuro do audiovisual?

    Seja em filmes como Grease, ou em clipes de música de estilo retrô como Everybody Talks, da banda Neon Trees, os brasileiros sempre tiveram uma certa familiaridade com o conceito de cinema ao ar livre, embora seja muito menor a parcela que realmente possa dizer frequentar espaços como esse. Os estadunidenses sempre cobiçaram a ideia de realizar diversas atividades sem precisar saírem de seus carros. Eles foram, afinal, os criadores dos Drive Throughs em restaurantes, uma ideia importada para o Brasil nas grandes franquias de Fast Food. Então não é surpresa que a invenção do Cinema Drive-In tenha sido ideia deles. O primeiro teve sua data de estréia em 1915, na cidade de Las Cruces, no estado de New Mexico. O Teatro de Guadalupe era híbrido e possuía espaço para setecentas pessoas sentadas no auditório e mais 40 carros estacionados com vista para a tela. Entretanto, a invenção foi patenteada por um magnata da química chamado Richard M. Hollingshead, da cidade de Camden, Nova Jersey. Em 1932, ele fez diversos testes de projeção, e em 1933, foi oficialmente considerado o criador do cinema ao ar livre. Legenda: No filme Grease, Danny e Sandy vão a um encontro em um drive-in. Durante o filme, Danny tenta dar um passo além no relacionamento, o que deixa Sandy em choque. No mesmo ano, ele abriu seu primeiro empreendimento na área, com espaço para 400 carros. Seu slogan, na época, era: "Todas as famílias são bem-vindas, não importa quão barulhenta sua criança seja". O local não gerou o lucro esperado e foi vendido três anos depois. Apesar disso, a semente estava plantada, e diversos outros Drive-In Cinemas começaram a pipocar pelos Estados Unidos. As condições econômicas e sociais dos EUA permitiram o auge dos cinemas ao ar livre nas décadas de 50 e 60. Isso porque comprar carros se tornou cada vez mais fácil, e houve um aumento significativo de nascimentos por volta dessa época. Em 1947, havia 155 Drive-In Cinemas nos EUA. Em 1951, esse número era de 4.151. A tecnologia também auxiliou na popularização do meio: em 1941, já eram usados alto falantes dentro dos carros, e eles permitiam ajuste de volume particular. O cinema ao ar livre não foi uma invenção anterior às salas de cinema tradicionais, mas concorrente. O público alvo familiar e o preço reduzido para manutenção do espaço geraram um custo menor para os clientes. As famílias podiam cuidar de suas crianças, e os jovens podiam ter encontros com certa privacidade. Além disso, era uma alternativa mais informal às salas de cinema. Outro diferencial era a venda de uma variedade de produtos que ofereciam mais conforto à clientela, como máquinas de vender fraldas e aquecedores de garrafa. Todos esses detalhes também resultaram na fama dos Drive-Ins de serem espaços "imorais", o que causou, junto com a popularização da televisão e aluguel de filmes, que as décadas seguintes fossem de grande declínio. No Brasil, o Cine Drive-In é o último de seu tipo e fica em Brasília. Foi até tema de filme nacional, lançado em 2015 com direção de Iberê Carvalho. O espaço tem 46 anos de história e em 2017 se tornou Patrimônio Cultural e Material do Distrito Federal. Com capacidade para cerca de quatro mil pessoas, enfrentou diversos altos e baixos, principalmente devido ao crescimento de shoppings como espaços de lazer e exibição de filmes. Além disso, o grande pré-requisito dos cinemas ao ar livre não agrada a todos: Eles só podem funcionar à noite. Isso limita o número de sessões e a atratividade de distribuidoras de cinema que visam o maior lucro possível de suas produções. Legenda: O Cine Drive-In, em Brasília, foi fundado em 1973 dentro do Autódromo Nelson Piquet e funciona todos os dias da semana, das 18:00 às 22:00. Sua tela de projeção tem 312m² e o sistema de som funciona através de uma estação de rádio FM que pode ser acessada em cada carro. Entretanto, tudo isso pode mudar. Com a pandemia de COVID-19, vários estados decretaram a suspensão de eventos públicos, inclusive o Distrito Federal. Mas para aqueles que, mesmo após o fim do decreto, optarem por continuar com o isolamento social, os cinemas ao ar livre podem ser uma ótima alternativa. Em Curitiba, a Pedreira Paulo Leminski e o espaço da Família Madalosso já se preparam para sessões de cinema, shows e palestras ao ar livre, com a audiência no conforto de seus carros. No caso do mais famoso restaurante de Santa Felicidade, o menu é composto por refrigerante (se beber, não dirija!) e polenta frita. Nos Estados Unidos, a situação é muito similar. Em entrevista ao Estadão, o proprietário do Ocala Drive-In, John Watzke, viu quase todas as seis mil salas de cinema dos EUA fecharem as portas durante a pandemia, mas ele decidiu manter seu cinema ao ar livre funcionando, lembrando do Furacão Katrina, em 2005, na qual, de acordo com suas palavras, "qualquer coisa que nos oferecesse cinco minutos de uma vida normal era apreciada". Infelizmente, a existência de espaços que estimulem o distanciamento social não é uma realidade para todos. Para isso, alguns estabelecimentos e eventos precisaram encontrar alternativas durante a pandemia. O Cine Passeio, reinaugurado há um ano em Curitiba, está oferecendo webinars semanais gratuitos sobre cinema. O Festival anual Varilux, de cinema francês, disponibilizou diversas obras para acesso em casa. E as salas de cinema dos shoppings podem usar esse período de suspensão de atividades para adaptarem seus espaços. Cadeiras mais espaçadas e higienização com materiais químicos são duas das medidas sendo consideradas para a retomada. Legenda: O Planeta Drive-In, como é chamado o projeto da Pedreira Paulo Leminski, ainda não tem data de abertura. A tela de projeção é em 4K e tem 162m². A arena pode receber até 117 carros em cada evento, que é previsto para acontecer de quinta-feira a domingo, das 19:30 às 22:00. Os ingressos serão vendidos por aplicativos. O futuro do cinema ainda é incerto, mas é interessante observar as tentativas de retomada que respeitam as diretrizes de isolamento social, mesmo que isso signifique trazer à tona um método retrô de assistir filmes. Além disso, poder ter acesso ao lazer fora de casa em segurança durante esta pandemia é um privilégio, mas isso não significa que esses novos formatos deveriam ser elitizados, com preços que não correspondem à realidade de uma possível crise econômica no país. Isso poderia apenas reforçar o uso de plataformas de streaming em casa, gerando impactos mais graves ao cinema no futuro, durante o novo normal.

  • Pandemia: Contradições e Eficácia da Comunicação Digital

    Legenda: Marzio Toniolo/via REUTERS Pandemia: Contradições e Eficácia da Comunicação Digital Nos encontramos na era da informação e uma infinidade de assuntos está a um clique de distância. Mais do que isso, a população parou de apenas consumir e passou a produzir notícias, podendo compartilhar publicamente acontecimentos, ideias e críticas nas redes sociais e atrair aqueles que pensam da mesma forma, tendo o potencial de se tornar formadores de opinião. A mídia tradicional, diante disso, possui a seu favor o fact checking: a checagem de fatos que fornece garantia de veracidade das informações que estão sendo fornecidas à população. Mas sem um planejamento prévio, em tempos de incerteza como o da pandemia COVID-19, os meios de comunicação podem cair em controvérsia por não saberem lidar com o fluxo de informações aliado à responsabilidade social de manter a veracidade e passar a devida gravidade da situação para o público. Os veículos de mídia refletem, hoje, as incertezas dos estudos científicos, dos especialistas e das autoridades de poder sobre qual a melhor forma de combater o Coronavírus. Estas são as entidades que dão base ao jornalismo, que garantem segurança e confiabilidade, pois são as principais fontes de informação. Entretanto, quando não há um consenso entre as partes, e o que era considerado certo ontem é tido como errado hoje, os meios de comunicação sofrem e são deixados à deriva. Legenda: No início da pandemia, a recomendação era usar álcool gel. Depois, lavar as mãos com água e sabão foi divulgada como a melhor atitude. A utilização de máscaras eram desencorajadas, mas recentemente as máscaras de tecido se tornaram a nova recomendação do Ministério da Saúde. Outro problema é a supersaturação das informações. A responsabilidade social dos veículos de comunicação está em mostrar à população a gravidade da situação do Coronavírus no Brasil e no mundo, e uma das técnicas utilizadas para isso é o constante fluxo de informações sobre o assunto em todos os cadernos e programas jornalísticos. Em uma emissora de TV, o coronavírus cobre mais de seis horas de programação direta, sem pausas. A controvérsia vem na seguinte forma: Esse acúmulo de informações está beneficiando ou atrapalhando o espectador? A informação divulgada de forma clara, precisa e concisa é muito mais fácil de ser compreendida. Mas a gravidade de uma situação só é sentida por movimentações fora do normal e dando a devida ênfase. Este é o atual paradoxo dos meios de comunicação. Os jornais sofrem com um outro problema importante: a abrupta mudança de público alvo das informações. O grupo de risco do COVID-19 pertence à terceira idade, mas os jornais não são feitos para essas pessoas. A acessibilidade é deixada de lado na missão de seguir transformando o que é tradicional em tecnológico, retirando informações essenciais da programação e disponibilizando-as exclusivamente para quem possui um smartphone e sabe mexer nele, em um país no qual a inclusão digital está longe de ser ideal. Esta é uma lição de que sua mensagem precisa estar adaptada para o público que precisa ou deve recebê-la. As grandes corporações, que assistem o desenrolar do Coronavírus e planejam estratégias de como continuarem relevantes durante uma pandemia ou crise econômica, também dão um ótimo estudo de caso. As primeiras iniciativas dessas marcas foi em mudar suas logos para estimular o distanciamento social. Mais do que nunca, ações de marketing em tempo de crise parecem não comover a população, que criticou boa parte dos nomes envolvidos na iniciativa por não realizarem doações para auxiliar no combate ao vírus. Essa é uma boa demonstração de como a comunicação digital precisa ser pontual ao seu modelo de negócio. Atribuir uma responsabilidade social que não pertence a sua marca pode não trazer resultados vantajosos. Foram os criadores de conteúdo, os anteriormente chamados formadores de opinião, os grandes beneficiados durante essa quarentena. Com um planejamento estratégico, visando a permanência das pessoas em casa e a necessidade por entretenimento, muitas personalidades do Youtube e Instagram realizaram lives (para que não houvesse a necessidade de edição e para que a interação com o público fosse imediata) e conteúdos exclusivos para este momento, como dicas de meditação, exercícios físicos, controle de ansiedade, coisas para fazer e muito mais. É o outro extremo da comunicação digital, com uma responsabilidade social muito diferente daquela atribuída aos meios de comunicação no momento, e que mostra uma grande eficácia. Legenda: A live da cantora Marília Mendonça contou com intérprete de LIBRAS, QR Code para doações online e mais de três horas de música com a artista. Ainda mais impressionante foi a atitude dos músicos perante a pandemia. A indústria fonográfica sofreu um grande impacto com o cancelamento de shows e eventos, mas grandes nomes brasileiros e mundiais souberam dar a volta por cima e movimentar milhões de pessoas para as plataformas digitais. Nos últimos dias, Marília Mendonça e a dupla Jorge e Mateus competiram pelo show com maior quantidade de visualizações simultâneas no YouTube. Marília quebrou o recorde da dupla com 3,2 milhões de acessos. Isso pode mostrar que talvez a pandemia aja como uma catalisadora para uma mudança na promoção musical, na qual o artista poderá tomar para si a divulgação de sua arte, dependendo menos da rádio, televisão e vods por ter maior controle sobre o seu conteúdo. A comunicação digital proporciona um feedback quase imediato, e é uma ótima ferramenta de mensuração para saber se a sua estratégia aborda todos os parâmetros necessários. Para toda atividade que envolva informação, é de vital importância pensar no público alvo, na acessibilidade e na responsabilidade social da empresa e do ramo de negócio. Com isso, a mensagem emitida é mais eficaz, sem paradoxos ou contradições.

  • Os impactos do coronavírus na indústria do entretenimento

    A chegada do COVID-19 no dia 31 de dezembro de 2019 pegou de surpresa os mais diversos setores do mundo inteiro. Até então chamada de epidemia, a doença surgida na China colocou o planeta em alerta por se tratar de um vírus parcialmente desconhecido com uma grande facilidade de transmissão entre indivíduos. Após um surto da doença na Itália que se espalhou pelo globo, a Organização Mundial da Saúde no dia 11 de março elevou o status da doença para pandemia, gerando comoção generalizada. Eventos, shows e campeonatos esportivos foram cancelados, a bolsa de valores de diversos países, inclusive a brasileira, sofreram quedas bruscas. Líderes mundiais e artistas contraíram a doença. Desde as grandes corporações até os microempreendedores estão sentindo no bolso o impacto da doença que tenta ser freada de todas as formas possíveis pelos governos e instituições mundiais. A indústria do entretenimento não fica de fora disso. Legenda: No cinema, muitos filmes retrataram o planeta terra sendo infectado por vírus pandêmicos. Na foto, exemplo da trilogia Planeta dos Macacos, que fala sobre a extinção da raça humana e a potencialização da inteligência primata. Medidas preventivas foram acionadas após mais de 100 países identificarem casos da doença: Cinemas foram fechados provisoriamente, grupos de risco foram definidos e toda pessoa que teve contato com quem possua qualquer chance de estar com a doença foi isolada em casa, em quarentena. Essa parece ser a receita perfeita para as plataformas de streaming e canais de televisão, que podem se beneficiar enormemente deste momento para ampliar suas assinaturas. É o caso da Netflix que, de acordo com a Forbes, aumentou suas ações em 2% desde o início de fevereiro, contrariando a maioria das curvas decrescentes da bolsa de valores dos Estados Unidos. Além disso, três novas plataformas de streaming serão lançadas nos Estados Unidos entre março e maio deste ano. Quibi, Peacock e HBO Max trarão um catálogo variado com produções incluindo estrelas como Liam Hemsworth, séries adoradas pelo público como The Office e o sucesso infantil de gerações Vila Sésamo. A expectativa é que elas possam se beneficiar da sede de entretenimento estadunidense para alavancar as vendas em seus primeiros meses. Apesar da perspectiva animadora neste ramo do entretenimento, o coronavírus também possui o potencial de causar uma falsa lucratividade para serviços de streaming que contam com um catálogo de produções próprias, como Netflix, Disney Plus e HBO Max. A curto prazo, eles se beneficiarão de suas produções já existentes, mas o adiamento ou cancelamento das gravações e lançamento de séries e filmes pode trazer danos a longo prazo para essas plataformas que já possuíam um cronograma de investimentos e lucros esperados para 2020 com cada novo título. Legenda: A gravação da segunda temporada de ‘The Witcher’, da Netflix, foi adiada por duas semanas para prevenir a doença, assim como as gravações do live action de A Pequena Sereia, da Disney, que da mesma forma tiveram suas gravações pausadas. Os canais de televisão, que também poderiam ser beneficiados pelas medidas preventivas do novo vírus, sofrem de formas distintas. De acordo com o site Variety, o canal britânico BBC precisou adiar a cobrança de assinatura para pessoas com mais de 75 anos. A medida, que estava prevista para entrar em vigor a partir de junho, só será imposta em agosto, devido à importância de que esse grupo de risco tenha acesso a informações sobre a pandemia e também desfrute de entretenimento. A medida, no entanto, definitivamente causará um impacto na lucratividade do canal. No Brasil, a Rede Globo cancelou o programa Mais Você porque a apresentadora Ana Maria Braga pertence ao grupo de risco e está em tratamento contra um câncer. Além disso, a novela das nove, Amor de Mãe, deixará de ser transmitida pois atrizes e atores acima de 55 anos, maioria no elenco, devem entrar em isolamento preventivo. A criação destes ‘buracos’ na programação é preocupante, pois afeta em grandes escalas a rentabilidade do canal de televisão e ameaça muitos empregos. Outra indústria que vive períodos de gangorra é a da publicidade. Por um lado, ela pode ganhar notoriedade na divulgação de produtos e serviços que auxiliem no combate e prevenção da doença ou com marcas demonstrando apoio neste momento de adversidade. Ministérios da Saúde de diversos países se aliam a publicidade para transmitir formas de prevenção da doença a toda população. Por outro, algumas práticas que antes eram consideradas aceitáveis e atrativas podem ser alvo de críticas ao não se adaptarem às novas instruções de saúde pública e controle de transmissão do coronavírus. Um exemplo disso é o bordão da rede de frango frito KFC, “Finger Lickin’ Good”, que ressalta o quão saboroso é lamber os dedos durante a refeição no fast food. Após quase duzentas reclamações, a campanha, que já é veiculada há mais de quatro anos e que teve os comerciais mais recentes colocados ao ar há dois meses, foi retirada de circulação temporariamente por promover hábitos que potencializam o contágio do COVID-19. Outro exemplo infeliz é a da cerveja mexicana Corona, que foi associada com o nome da doença e teve uma explosão de pesquisas no Google. Memes e fake news sobre a relação entre a marca criada em 1925 e o vírus preencheram as redes sociais, embora o verdadeiro impacto dessa correspondência não tenha sido quantificado ainda no número de vendas. Assim como com a marca de cerveja, ainda não é possível prever como os acontecimentos irão se desenrolar até que a vacina para a doença seja encontrada. As curvas de crescimento e decréscimo da doença ditam não só batimentos cardíacos da população afetada diretamente pelo vírus, mas também a sobrevivência de empresas, ideias e empregos. O entretenimento e a informação são vitais para a manutenção da esperança da população na superação dessa pandemia, e por isso é importante que, com seus altos e baixos, continuem disponíveis para o mundo todo, não importa o formato.

  • Marketing, Cultura Popular e Pôsteres de Filmes no Cinema

    por Janyne Leonardi Pôsteres de filme são o oposto do cinema. São imagens estáticas repletas de tipografia que tentam convencer o telespectador em um só frame que vale a pena assistir o longa-metragem. Entretanto, seria possível passar toda a ideia de um filme em uma única imagem? A estratégia de marketing que usa cultura popular aliada ao cinema Hollywoodiano mostra que sim. Um filme não depende apenas de um Oscar ou de um Globo de Ouro para alcançar notoriedade. Jaws (1975) e Pulp Fiction (1994) são exemplos de notoriedade dentro e fora da Academia. A cultura popular massifica produções que são capazes de criar tendências e de transmitir informações claras e diretas, criando um circuito de curiosidade que gera receita para a produção e referências para gerações. Os dois filmes foram recordes de bilheteria e continuam como símbolos pop usados em merchandising e mencionados em produções populares atuais. O filme Nós (2019), por exemplo, conta com um dos protagonistas usando uma camiseta com o pôster de Jaws logo no início do longa Entretanto, nem todo filme quer ou consegue criar tendências e ganhar notoriedade. Nem todo filme é produzido para ganhar um Oscar ou permanecer por décadas. Mas todo filme quer ser visto e quer gerar lucro em relação ao que foi gasto com sua produção e marketing. Não há uma fórmula mágica de como criar um filme que será abraçado pela cultura popular, mas quando uma produção é capaz de alcançar esse estágio, a indústria cinematográfica pega carona nesses grandes sucessos e os recicla para gerar ainda mais receita. Um exemplo disso é Jaws. Quantos outros filmes de tubarão foram lançados desde que Steven Spielberg transformou o animal em um grande monstro assassino? Mesmo assim, Jaws continua sendo a maior referência entre eles. Você já notou como os pôsteres de cinema abusam das cores azul e laranja em filmes de ação e aventura? Ou como sempre há praia envolvida nos pôsteres de filmes de romance? O gênero e o plot de um filme não são as únicas características a serem recicladas. Outra técnica da indústria cinematográfica é usar projetos gráficos muito similares de pôsteres de cinema, com a mesma paleta de cores ou disposição de elementos que já provaram sua eficácia anteriormente. O marketing global de um filme pode custar até 150 milhões de dólares e os pôsteres são uma forma de propaganda com limitações, portanto Hollywood usa essas similaridades para que o telespectador saiba sobre o que o filme se trata através de uma associação de design com outros pôsteres de grandes filmes com a mesma temática. Desta forma, Hollywood não arrisca perder dinheiro com estratégias de marketing que podem fracassar, apostando em um modelo pronto, e o que seria apenas uma imagem estática gera uma rede de conexões com outros filmes pertencentes à cultura popular. Alguns exemplos, extraídos do site Business Insider e Cine Click: Legenda: Filmes de romance e drama utilizam a sobreposição dos rostos dos autores, assim como cenas de ambos na praia, como fator em comum. Percebe-se também que com exceção do último filme, todos utilizam tons quentes. Legenda: Filmes de comédia romântica apostam na pose dos protagonistas encarando lados opostos como uma alusão à ideia de “opostos se atraem”. Legenda: Filmes de ação encontraram uma forma de atrair atenção utilizando a cor laranja, associada tanto com preto e branco quanto com azul para criar um contraste justificado na teoria das cores. Legenda: Filmes de ação e suspense contam com stills de seus protagonistas correndo e a utilização de tons de azul. Alguns também usam desfoque para dar uma maior sensação de movimento e instabilidade. Grandes movimentos de designers que buscam abordar pôsteres de cinema de forma mais criativa e original já existem. Para o Oscar de 2020, o banco de imagens Shutterstock realizou a oitava edição do Oscar Pop!, que reúne designers com a missão de reformular os pôsteres dos indicados a Melhor Filme no estilo Pop Art com o conteúdo disponível na plataforma. O resultado você encontra aqui: (Créditos: Shutterstock) Apostar em estratégias de marketing tradicionais ou inovadoras não altera o fato de que o telespectador entra na sala de cinema em busca de algo que o proporcionará algo, seja entretenimento, sentimento ou escapismo. O longa metragem deve, portanto, ser capaz de dizer mais do que um cartaz de cinema já diz por si só. E você? Já assistiu um filme só pelo seu cartaz de cinema? Como foi a experiência? Conta pra gente nos comentários!

  • Tropes no cinema: Contrato firmado entre você e o filme

    Você pode até desconhecer o termo “Trope”, mas com certeza já o viu milhares de vezes no cinema. Toda vez que o protagonista está no meio de um tiroteio e nenhuma bala o acerta, quando dois amigos entram em um bar e se dirigem ao garçom dizendo “duas cervejas” e não são questionados sobre marcas, tipos e preços, ou então quando ocorre uma explosão e o herói caminha tranquilamente de costas sem olhar para trás, lá está o Trope. Segundo Michael Rizzo, autor do livro The Art Direction Handbook for Film, este conceito define toda e qualquer imagem que contém várias camadas de contexto que, juntas, criam uma nova metáfora visual. Em outras palavras, Tropes são mecanismos e convenções que roteiristas utilizam por entenderem que já fazem parte das referências narrativas da audiência. São padrões que pelo uso exaustivo são compreendidos como triviais por mais absurdo que possam parecer. Por este motivo, praticamente todo Trope exige um certo grau de suspensão de descrença por parte de quem a vê. Esta relação refere-se à vontade do espectador em aceitar como verdadeiro as premissas de uma ficção, mesmo que elas sejam impraticáveis, contraditórias ou que simplesmente não tenham respaldo em nossas experiências do dia-a-dia. É a suspensão do julgamento em troca do entretenimento, o “simples” ato de deixar a verossimilhança de lado em prol da história. Afinal de contas, imagina se em todo filme, série ou novela as pessoas realmente se despedissem após falarem pelo telefone? Lá está o Trope em que os personagens simplesmente desligam o celular e pronto, vida que segue sem maiores enrolações ou preocupação com o contrato social. O uso das Tropes ocorre de variadas formas. Elas podem definir toda a premissa de um filme, estar presente em um diálogo, ajudar em estabelecer as características de um personagem ou simplesmente compor uma única cena. Desta última forma de utilizá-las, segue abaixo uma lista com alguns dos mais recorrentes Tropes do cinema. Elas são: Sinister 2 (2015) Em filmes de terror/suspense, sempre leve consigo pilhas reservas. Um recurso comum utilizado para criar tensão é a dos personagens - de maneira “inesperada” - agora terem de lidar com a escuridão em decorrência do mau funcionamento de lanternas, quedas de energia ou simplesmente o vento que apaga a vela. Terminator 2: Judgment Day (1991) Em uma sequência de perseguição/fuga, muitas vezes os roteiristas e diretores não querem dar demasiada atenção a coisas supérfluas para não quebrar com o ritmo de toda a ação. Por isso, quem nunca entrou em um carro e lá estavam as chaves guardadas no quebra-sol? Fácil e rápido sem levantar questionamentos. Matriz Reloaded (2003) Típica situação encontrada em filmes de kung-fu e que foi rapidamente incorporada no cinema ocidental, o protagonista se encontra rodeado por adversários e tudo indica que uma luta será travada. Contudo, é comum que a cena seja resolvida pelo simples fato dos vilões não se unirem contra o herói. Vão para o enfrentamento um-a-um sem pensar em atacar fazendo valer da quantidade. Miller's Crossing (1990) Quantas vezes você não assistiu algo (filme, série, novela e afins) em que o protagonista entra em um cômodo todo escuro e, ao ligar a luz, lá está o vilão ou uma figura misteriosa esperando? Em nosso inconsciente, este tipo de Trope fala muito sobre as características do personagem em si. Sintetiza suas intenções e gera expectativa sem precisar de nenhuma linha de diálogo ou cena complementar. Cliffhanger (1993) Situações de pessoas penduradas sobre abismos acontece aos montes em hollywood. Não importa o peso ou a força de quem está segurando, em algum momento a adversidade é superada e ambos aparecem deitados ofegantes no chão. Do momento de aflição até sua resolução, este tipo de Trope sinaliza para a audiência o quanto um personagem está disposto a se sacrificar pelo outro por mais clichê que possa parecer o ato heroico. House Of Cards (2013) Se coloque no seguinte cenário: Você está assistindo um filme em que, logo na primeira cena, o protagonista aparece matando outra pessoa. Neste momento, diversas questões passam pela sua cabeça quanto às motivações, interesses e contexto que o levaram a cometer tal ato extremado. Contudo, se esta mesma situação se repete só que com o personagem matando um cachorro, nosso julgamento sobre a cena muda completamente, afinal de contas, coitado do inocente e indefeso animal. Se um roteirista quer deixar logo de cara a psique maligna e inescrupulosa de alguém, basta fazer isso. A Fistful Of Dollars (1964) Já comentamos neste artigo que é praticamente impossível acertar o protagonista no meio de um tiroteio. Contudo, vai que acontece. Neste momento, entra em cena outro Trope. Quando você pensa que o herói foi alvejado, ele aos poucos se levanta e revela por debaixo de suas vestimentas algo que parou a bala, seja um colete a prova de balas, uma correntinha da sorte ou até mesmo uma foto dobrada. Geralmente, este importante item foi previamente mostrado no filme por se tratar de algo que possui grande valor sentimental para o personagem. O número de Tropes passa os milhares. Alguns caem em desuso e outros são criados a cada novo lançamento. Independente de suas origens, eles funcionam como importantes gatilhos ao provocar reações no público que já os tem introjetados na sua forma de consumir produtos audiovisuais. Por isso, quando bem utilizados, funcionam em prol da narrativa e favorecem a recepção da mensagem que se pretende passar. Pensando nisso, se você tem algum projeto em mente e precisa roteirizá-lo, entre em contato com a Fauno Filmes para juntos elaborarmos sua peça em vídeo/filme. De maneira consciente, tudo aquilo colocado no papel tem um motivo ao se transformar em imagem e som.

  • Cinema e Semiótica: indo além do que pode ser visto

    Ser um bom roteirista ou um bom diretor de produções audiovisuais não envolve apenas possuir habilidades específicas como boa escrita ou capacidade de liderança. Roteirista e diretor precisam estar cientes das técnicas disponíveis para a montagem da obra e, mais do que isso, entender de que forma essas técnicas impactam o espectador. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Um plano filmado em contra-plongée (de baixo para cima) e com luz dura - no contexto de um filme de terror, por exemplo - geralmente cria em que está vendo uma impressão desconfortável sobre o cenário. Diz-se “geralmente” porque, afinal de contas, cada um tem uma percepção única sobre determinada projeção. Ainda assim, pode-se dizer que existe uma convenção - histórica e culturalmente construída - que orienta a forma do nosso pensar. Cenas dos filmes Bastardos Inglórios (2009) e A Marca da Maldade (1958) evidenciam o ângulo contra-plongée. É com o objetivo de entender melhor quais são e de que forma funcionam essas convenções que a semiótica surge. Apesar de inúmeras vertentes e objetos de estudo diferentes, em sua concepção mais básica, a semiótica se ocupa de compreender a relação entre o significado e seu respectivo significante no processo de construção do signo. Em outras palavras, é a noção de que algo corresponde à outra coisa. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ É o tipo de assunto que parece complicado, mas não é. O significante nada mais é do que a imagem (acústica ou visual) de alguma coisa: a verbalização ou o desenho de uma bola de basquete, por exemplo. Já o significado seria aquilo que nós, individualmente, julgamos sobre determinado significante: é possível que um dos primeiros significados inferidos sobre uma bola de basquete seja referente ao esporte que é praticado com ela ou mesmo o fato dela quicar. A combinação do significante (forma) com o significado (conteúdo) gera o que se chama de signo.⠀⠀⠀⠀ Significante (ilustração do objeto) e significado (uso atribuído ao objeto). De maneira ainda mais abstrata, imagine um triângulo (significante). Por si só, esta forma geométrica possui incontáveis interpretações baseadas no referencial de cada pessoa (significado). Para alguns, se relaciona com o estudo matemático em duas dimensões, para outros com construções do Egito Antigo ou então com a santa trindade católica estabelecida entre o “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo”. Agora, volte a imaginar o mesmo triângulo só que “deitado”, com uma de suas pontas virada para a direita. Temos assim um possível significante referente a inicialização, ou como costumeiramente dito, em “dar o play”. E o quanto este signo (junção da forma com o significado) faz parte do seu dia-a-dia? Aposto que, ao seu deparar com um vídeo no Youtube ou Netflix, você sabe exatamente onde clicar para iniciá-lo, não?⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Triângulo (significante) é geralmente considerado como botão de play (significado). Mas de que forma isso se aplica ao cinema? ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Levando em conta que o frame é a unidade mínima de composição de um filme, os estudos na área são conduzidos principalmente a partir da perspectiva da semiótica visual. Ou seja, a imagem é encarada como signo e o foco é em entender de que maneira determinadas sequências são associadas a certos significados. É com base nesses fundamentos que se pode afirmar que na maioria das vezes que o herói ou um personagem bem-intencionado é apresentado em um plano, sua trajetória se faz da esquerda para a direita - enquanto o vilão percorre o caminho contrário. Esta convenção da cultura ocidental é explicada pelo nosso padrão de leitura: o movimento ocular que realizamos é da esquerda para a direita, de forma que o mesmo foi naturalizado e privilegiado em detrimento do sentido contrário. É difícil e desconfortável ler da direita para a esquerda. Sendo assim, quando vemos um personagem - mesmo que ainda não saibamos nada sobre sua índole - entrar um plano pela direita, inconscientemente atribuímos significados negativos a ele. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ E veja só, o mesmo acontece com o botão play, aquele mesmo do triângulo deitado. Na esquerda está representando o todo, o início cheio que, conforme caminha linearmente para a direita, se esvai até terminar. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ E esse é apenas um dentre inúmeros preceitos delineados pela semiótica no cinema: a sétima arte, combinação de tantas outras, é capaz de agrupar em um único plano uma quantidade copiosa de signos e, consequentemente, significados. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Por isso, como dito anteriormente, não basta que diretor e roteirista dominem apenas as ferramentas práticas de produção. É preciso saber enxergar além do que pode ser visto: detalhes que podem parecer pequenos na verdade são cruciais para o desenvolvimento de uma narrativa audiovisual que almeja alcançar excelência em qualidade.

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