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  • Filmando em ambientes extremos

    Rodar filmes em locais inóspitos requer atenção redobrada, pois quem iria imaginar que faltará neve no Canadá ou que choveu demais no deserto. Ao assistirmos um filme, muitas vezes durante uma cena muito impactante, nos pegamos tentando entender como isso foi filmado ou que técnica de edição foi usada. Porém muitas vezes o maior obstáculo de uma produção não é filmar, mas sim chegar na locação e, mais ainda, fazer os equipamentos funcionarem corretamente. Esse tipo de desafio passa batido muitas vezes quando assistimos a um filme que se passa no deserto, no Ártico, em alto mar ou mesmo no espaço. No entanto, filmar nessas locações extremas requer uma atenção redobrada da produção com relação às câmeras, equipamentos de luz, áudio e principalmente à equipe que trabalhará durante a filmagem. As câmeras são as que mais sofrem em condições extremas de temperatura, pois elas foram projetadas para aguentar até um limite seja de frio ou calor. Mas, como sabemos bem, não se filma um longa em 1 dia, então a exposição delas por longos períodos a esses climas geralmente acarretam em intempéries ou em soluções criativas da equipe para mantê-las em perfeito funcionamento. Durante as gravações de Mad Max: Estrada da Fúria de 2015, a equipe do diretor George Miller teve que criar diversas artimanhas para lidar com as variações climáticas do deserto da Namíbia. Devido às frequentes tempestades de areia, o que colocaria em risco as câmeras e rolos de filme durante as trocas de magazines, foi optado por filmar tudo em formato digital, uma novidade para o diretor de fotografia John Seal, que em mais de 30 anos de carreira, nunca tinha trabalhado desta maneira. Além dos desafios pessoais, a equipe teve que desenvolver caixas a prova de choque, para que os HDs onde as imagens eram armazenadas não fossem danificados durante as diversas corridas em alta velocidade pelo deserto. Outra dificuldade foi ter que levantar torres de transmissão no meio do deserto para que os diretores pudessem receber e ver as imagens que estavam sendo gravadas a quilômetros de distância no meio do deserto. Isso sem contar que o filme estava programado para rodar no outback australiano, porém a região extremamente árida experimentou meses de chuva pouco antes das gravações começarem, o que fez com que plantas e flores crescessem no deserto, obrigando a equipe mudar de continente para as gravações. Outro filme que ganhou notoriedade por ter problemas durante a produção foi o que ironicamente foi vendido aos estúdios como o Mad Max dos mares, o épico Waterworld - O Segredo das Águas de 1995 com Kevin Costner. O filme foi rodado inteiro em alto mar, na ilha mais ao norte do Havaí, chamada de Kawaihae, sendo sua tradução literal “Água da Ira”. Com um apelido desses, nem a reza feita de um Kahuna - alto clérigo da cultura local - foi suficiente para afastar a produção dos problemas que estavam por vir. A logística para levar centenas de atores, figurantes e equipe para os sets em alto mar demorava cerca de 4 horas e, por se tratar de alto mar, as ondas e a maré deixavam todos enjoados com muita frequência. Como se isso não bastasse, a produção demorou tanto que acabou entrando na época de furacões, o que acabou afundando o set principal do filme de cerca de 5 milhões de dólares. Gaiolas especiais para as câmeras precisaram ser desenvolvidas para proteger as câmeras das águas turbulentas, ainda mais se tratando de 1995, quando eram usados frágeis filmes em película. Por isso, a equipe tinha um barco especial para descarregar os rolos que já tinham sido gravados e carregar os novos sem que fossem expostos à luz ou danificados pela água. Problemas com o clima afetam as produções o tempo todo, independente se forem gravados no calor sufocante do outback australiano ou no norte gélido do Canadá. Durante as filmagens de O Regresso, filme vencedor do Oscar de 2015, a equipe se deparou com algo inusitado durante o inverno canadense: Quem poderia adivinhar que faltaria neve na locação? Isto fez com que a produção mudasse no meio das gravações até a Patagônia para finalizar as gravações. Porém antes da mudança de locação, a equipe sofreu muito com o frio do inverno na base do Ártico. Os atores tinham que cuidar para não gangrenar suas mãos e pés durante os takes, precisando um tempo maior entre as tomadas para poderem recuperar os movimentos dos membros. As câmeras também sofreram com o frio, pois as baterias tinham que trabalhar dobrado para mantê-las funcionando pela alta demanda de energia. Desta maneira, sua substituição acontecia de meia em meia hora e uma grande quantidade de baterias reservas eram levadas até o set. Containers climatizados foram alugados para o armazenamento dos equipamentos para evitar as mudanças de temperatura muito bruscas, pois se eles simplesmente saissem do ambiente congelante e entrassem no hotel climatizado, corria o risco de condensar as câmeras e principalmente as lentes, causando danos irreparáveis que poderiam atrasar a produção. Para finalizar vamos para a órbita terrestre, afinal de contas não existe ambiente mais extremo do que o espaço sideral. Desde as primeiras viagens espaciais, os astronautas e cosmonautas carregam consigo câmeras para documentar as viagens e experiências. A primeira missão a ter uma câmera operada por um humano foi a Mercury-Atlas 6 de 1962, que contou com a ingenuidade do astronauta John Glenn, que teve a ideia por conta própria e comprou uma pequena máquina com seu dinheiro. Porém, ao comunicar para a NASA, o equipamento teve de ser modificado para sua operação acontecer sem ter a necessidade de retirar as grandes luvas do traje espacial. Foi então criado uma manopla customizada e, além disso, montaram a câmera de cabeça para baixo para que Glenn pudesse acessar os comandos de disparo dentro da nave. Desde então, muitas câmeras já foram enviadas ao espaço para realizar diversos experimentos, gravações de comerciais, filmes e documentários. Foi o caso do longa A Beautiful Planet: A Terra Vista do Espaço, de 2016. Filmado para Imax, a produção contou com diversos desafios principalmente no envio das imagens gravadas para a equipe em terra. Por se tratar de gravações em 4K, os arquivos eram grandes demais e nenhum satélite conseguia dar conta. Por este motivo, os astronautas filmavam inúmeros gigas de imagens e, quando tinham uma missão de ida ou volta para a ISS (sigla em inglês da Estação Espacial Internacional), esses HDs eram enviados para a Terra. Outro grande desafio diz respeito à alta radiação no espaço já que as câmeras são danificadas depois de algum tempo em órbita, perdendo resolução e tendo até alguns pixels queimados. Desta forma, elas tinham que ser substituídas de tempos em tempos, porém assim como os HDs, eram enviadas em missões esporádicas. Por se tratar de um lançamento de um foguete, às vezes as coisas não saem como o esperado, como a explosão da missão da SpaceX Falcon 9 de 2015, que carregava uma destas câmeras. Com isso, a produção do documentário acabou se adaptando ao criar um software para corrigir os erros que viriam a ser captados pela câmera antiga que já estava na ISS. A próxima vez que você assistir a um filme que se passa em algum lugar remoto, tente imaginar os problemas e as soluções que a equipe teve que enfrentar durante as gravações. Nós da Fauno Filmes ainda não tivemos a oportunidade de filmar no espaço ou em um deserto, porém em muitos projetos somos desafiados frente a diferentes e inusitadas locações. Em suma, mesmo lidando com as adversidades, estes locais são recompensadores pois as imagens lá captadas acabam se tornando únicas e diretamente condizentes com a proposta do filme. Este foi o caso da nossa obra 2021: Uma Nova Odisseia no Espaço em que precisávamos emular quatro planetas distintos em que a protagonista acabava visitando. Para Marte, por exemplo, gravamos em uma pedreira abandonada em que o grande desafio se deu na logística e energia elétrica, já que a tomada mais próxima ficava a quilômetros de distância.

  • A Evolução das salas de cinema ao longo dos anos

    Buscando sempre atrelar novas tecnologias com as demandas do mercado, a indústria cinematográfica inova visando expandir a experiência de seus filmes. Nesta publicação vamos viajar por décadas relacionadas ao cinema, especificamente sobre a evolução das suas salas de exibição, indo desde o final do século XIX até nosso presente tempo. Se adaptando aos cenários econômicos e sociais ao longo dos anos – igualmente na transformação dos hábitos de consumo do seu público - resgatar a história dos cinemas é também entender como essa indústria está vinculada às inovações tecnológicas do último século. Lanternas mágicas O praxinoscópio, uma das primeiras formas comerciais de visualizar conteúdos audiovisuais da história. Os primeiros filmes eram, na verdade, experiências individuais. De fato, foram inicialmente chamados de espetáculos em lanternas mágicas. Em 1890, as pessoas aglomeravam-se em pequenas salas, pagavam alguns centavos e viam imagens em movimento através de slides utilizando máquinas como o praxinoscópio. O aparelho inventado por Émile Reynaud projeta em uma tela imagens desenhadas sobre fitas transparentes. Por conta de um complexo jogo de espelho, surge para o espectador efeitos de sombra e relevo. Pela multiplicação das figuras desenhadas e a adaptação de uma lanterna de projeção, a invenção possibilita a ilusão do movimento. Centenas de desenhos eram feitos para gerar 15 minutos, sendo que muitas das salas onde se encontravam os praxinoscópios eram adaptadas para melhorar a experiência ao pintar as paredes de preto, além de bloquear as janelas para que a luz de fora não atrapalhasse o público. Os primeiros cinemas Cartaz publicitário do cinema que utilizava um dos primeiros projetores criados por Thomas Edison. Na França, em 1884, Louis e Auguste Lumière rodaram seu primeiro filme intitulado “Workers Leaving The Lumière Factory” em Lyon. Este foi considerado o primeiro registro audiovisual e rapidamente provocou um frenesi em todo o mundo, ocasionando a criação de salas de cinema a serem exibidos em massa. Foi o caso do teatro Vitascope de Thomas Edison, inaugurado em 1896, que continha 72 lugares e contava com o projetor criado e patenteado pelo próprio inventor. Pela rápida adesão do público e a facilidade em reproduzir as obras simultaneamente em diversos lugares, em 1905 – na cidade de Pittsburgh – os donos de teatros Harry Davis e John Harris criaram o conceito por detrás dos cinemas chamados nickelodeons. Neles, o espectador pagava apenas um níquel (por isso o nome) para ver o último filme em exibição. Em 1907, cerca de 3 mil teatros deste modelo tinham sido abertos e, em 1914, estimava-se que 27% dos americanos iam ao cinema todas as semanas. Diferente do teatro criado por Edison, os nickelodeons contavam com pouco luxo e eram construídos em espaços menores, dinamizando assim as exibições visando lucrar pela quantidade. Advento do som Cinema de Edimburgo em 1920 que utilizava uma orquestra durante a exibição. O cinema mudo perdurou até a década de 30. Contudo, em 1920, era comum que as salas de cinema contavam com apresentações musicais concomitantes à projeção, transformando assim a antiga experiência do absoluto silêncio em algo dinâmico e empolgante. Enquanto assistiam às imagens na tela, o público do cinema era embalado por pianistas e organistas que procuravam retratar as sensações passadas momento a momento do filme em trilhas sonoras. Por vezes, em salas mais luxuosas, até pequenas orquestras acompanhavam a narrativa. Era comum que os próprios estúdios cedessem as partituras para os músicos, mas em alguns casos os artistas tinham de improvisar. Em 1927, o filme “The Jazz Singer” deu início a uma era inteiramente nova para o cinema. Foi a primeira longa-metragem a ter uma partitura musical gravada e sincronizada, além de falas sobrepostas em várias seções do audiovisual. O filme mudou tudo, tornando obsoletas algumas estrelas do cinema mudo e dando a Hollywood um novo caminho para o que poderiam fazer quanto a efeitos sonoros, trilhas e atuação. Em 1930, os filmes mudos já eram referidos como "o velho modo", ficando restritos às suas exibições apenas em pequenas salas por preços muito inferiores. Que se faça a cor Imagem retirada do trailer de “A Branca de Neve” em que o grande chamariz era a presença de cor no filme. Conseguir diferentes tonalidades nos filmes foi algo difícil de se atingir, sendo que as primeiras tentativas datam o início do cinema. Por muito tempo, os experimentos consistiam em pintar à mão os negativos para emular as cores nas pessoas, objetos e cenários. Somente com a criação do processo Technicolor, em 1932, que esta prática começou a ser vista como escalável dentro da indústria. A técnica consistia em fazer as gravações com três câmeras analógicas extremamente próximas, cada uma com um filtro de cor primária (vermelho, azul e verde). Ao projetar as três gravações em preto e branco - uma em cima da outra - com seus respectivos filtros, era possível exibir filmes partindo destas tonalidades. No começo foi utilizado de forma pioneira em pequenos desenhos animados e obras experimentais, sendo que, somente em 1937, Walt Disney entregou ao público o primeiro longa-metragem em cores da história - sua famosa adaptação de “A Branca de Neve”. Dois anos depois, seria acompanhado pelo "Mágico de Oz” e “E o Vento Levou", clássicos do cinema que, proporcionalmente, figuram como uma das obras mais assistidas da história. Quando Hollywood observou que a bilheteira destes filmes podia justificar seu alto custo, foram feitos cada vez mais audiovisuais em cores. Drive-ins Mais de 200 carros no drive-in em 1961 nos EUA. Os drive-ins apareceram nos Estados Unidos já na década de 30, mas ganharam vida nos anos 50 e 60 como forma da indústria cinematográfica de tirar o público da frente dos seus televisores. Essencialmente, este tipo de exibição acontece em uma área de estacionamento exterior com um enorme ecrã montado numa extremidade que projeta a imagem para pessoas em seus próprios veículos. O áudio é transmitido através de rádios acoplados na janela/painel ou em alto-falantes laterais a tela. Seu sucesso também se deu pelo momento econômico favorável que o EUA se encontrava (ápice do ‘estado de bem-estar social’), favorecendo assim o acesso da população na compra e customização de carros. Os veículos deixaram de ser utilitários e se tornaram símbolos que representavam a identidade do seu dono. Não é à toa que na mesma época outros tipos de comércio também se adaptaram ao “boom” dos motores, como é o caso das lanchonetes que adotaram o mesmo esquema drive-in. Embora houvesse muitos cinemas ao ar livre no país – mais de 5 mil - apenas 400 permanecem até hoje. Muitos multiplexes foram construídos em cima dos antigos estacionamentos quando sua popularidade começou a cair na década de 80. Multiplex Estreia do filme “Cleópatra” em 1963 no multiplex londrino Dominion Cinema theatre. Os EUA são conhecidos por Hollywood e suas produções que modificaram o entendimento mundial sobre cinema e entretenimento. Contudo, foi no Canadá que surgiu o primeiro estabelecimento com duas telas. Em 1957, o teatro Elgin, em Ottawa, inaugurou aquilo que futuramente seria chamado de multiplex ao oferecer dois filmes exibidos simultaneamente em diferentes sessões, dando assim maior liberdade para o público escolher entre diferentes narrativas e horários. Em 1963, Stanley Durwood criou o American Multi-Cinema (hoje chamado de AMC Theatres) que foi o primeiro do seu tipo nos EUA. Vendo como os multiplexes eram rentáveis, muitas das antigas salas de cinema foram adaptadas para acomodar mais do que um filme de cada vez. Velhos palácios foram convertidos em longos corredores que continham dezenas de espaços menores com projetores. Neste período, também se tornou popular a venda de alimentos e bebidas em que os multiplexes contavam com parcerias quanto a refrigerantes e doces. A pipoca, que desde a década de 20 era vendida por ambulantes na porta do cinema, também integrou aquilo oferecido por estas novas redes. Widescreen e som surround Funcionários de mãos dadas em frente a tela do cinema Odeon, Londres, em 1967. As telas panorâmicas (widescreen) nos cinemas até podem parecer algo recente, mas na realidade seu surgimento se dá ainda na década de 1920. Contudo, pelo fato da depressão econômica pós primeira Guerra Mundial e da quebra das bolsas em 29, os cinemas e estúdios optaram por não arcar com os custos dessa adaptação. Essencialmente, qualquer imagem de filme que tenha a relação entre sua largura e altura superior ao padrão de 1,37:1 é considerado uma tela panorâmica. Em outras palavras, este ecrã dá maior lateralidade e, assim, se propõe uma maior imersão por parte do espectador. A partir dos anos 50, o interesse da indústria cinematográfica nesta forma de exibição retorna graças ao “boom” econômico que reflete no poder aquisitivo do público em geral. Acompanhando grandes produções, a tela panorâmica servia como chamariz para tirar as pessoas de casa, da frente de seus televisores, pois muitas cenas só atingiam sua plenitude em uma widescreen. Praticamente, nesta época, todo filme western iniciava com uma tomada geral da paisagem pois, agora, no mesmo take era possível visualizar estradas, montanhas, vegetação, construções, enfim, tudo graças à lateralidade da tela. De forma semelhante - tendo surgido em 1940 no filme “Fantasia” da Disney, mas somente se popularizando na década seguinte - o som surround contava com a adição de vários canais de áudio nos alto-falantes que rodeiam os espectadores. Antes, as salas de cinema contavam com apenas saídas mono, ou seja, o mesmo som era projetado sem diferenciação entre as caixas. Pela implementação do surround, rapidamente os estúdios começaram a pensar o áudio pelo padrão estéreo, que foi utilizado pela primeira vez na obra “Super-Homem” de 1979 e depois no clássico “Apocalypse Now” e no mesmo ano. Graças a esta novidade, hoje os cinemas contam com tecnologias que individualizam aquilo a ser escutado pensando na imersão e qualidade do áudio. Por exemplo, seguindo o padrão Dolby 5.1, temos as falas dos personagens saindo pela frente junto a tela e, lateralmente, efeitos são adicionados de acordo com a ação. Por exemplo, um helicóptero sobrevoando da direita para a esquerda no ecrã segue o mesmo design de som, indo assim o barulho de suas hélices igualmente da direita para a esquerda. 3D e 4D Público usando óculos especiais em 1950 durante festival em Londres específico para o 3D. Embora tenha surgido inicialmente nos anos 20, tendo uma fase de ouro na década de 1950, os filmes 3D recentemente regressaram como mais uma opção para a indústria. Basicamente, nestas salas a tridimensionalidade se dá através de um projetor digital que alterna entre imagens que são enviadas para cada um de nossos olhos. Usando óculos específicos, a polarização de cada lente “barra” a entrada de luz, fazendo assim com que a duplicidade do que assistimos gere a ilusão de profundidade e volume. Resumindo, é como se duas projeções acontecessem simultaneamente, uma para o globo ocular direito e outra para o esquerdo e desta diferença na perspectiva resultasse o 3D. Para saber mais sobre esta tecnologia, sua história, aplicações e como funciona em mais detalhes, confira no link a publicação sobre o tema em nosso blog. Em meio a tantas opções de entretenimento e formas de consumir conteúdos audiovisuais nos dias atuais – TV aberta, a cabo, streaming, etc – os cinemas buscam inovar para continuar atraindo público. Depois do 3D, muitos multiplex investem em um passo além. Em filmes 4D acontece a pulverização de água, as cadeiras se movimentam, cheiros são introduzidos na sala e outras dezenas de efeitos são utilizados para simular o que é visto em cena. Este conceito é antigo, tendo sua origem na década de 40 costumeiramente em parques de diversão, mas com a ascensão recente de mega produções do gênero aventura/ação, diversas empresas investiram em salas que prometem a maior imersão possível como forma de chamar atenção. IMAX Tela de uma sala IMAX dez vezes maior do que as “comuns”. Como já visto com as telas widescreen anteriormente, a indústria do cinema sempre buscou modificar seus modos de exibição no intuito de angariar público principalmente em momentos de concorrência com outras formas de entretenimento. Pensando nisso, hoje em dia, o espectador pode ver filmes em telas até dez vezes maior do que em um ecrã padrão. No IMAX, todas as filas estão posicionadas para que o campo de visão não veja as bordas, ou seja, quando visualizando a ação no centro da projeção, o espectador não se distrai com nada ao seu redor. Contudo, para atender ao novo tamanho de exibição, a forma como os filmes são feitos precisou sofrer ajustes. No formato IMAX, as produção são realizadas com câmeras diferenciadas. Os longas desse tipo são captados em 70mm ao invés dos clássicos 35mm utilizados nos filmes “comuns”. Por estar entre as mais caras do mercado, o uso deste equipamento fica restrito somente para mega produções, mas nada impede que adaptações sejam feitas em detrimento a qualidade da imagem para que filmes rodados com câmeras “normais” possam ser exibidos em sua tela.

  • Você sabe como funciona o cinema 3D?

    Utilizando de uma técnica antiga, os filmes “enganam” nosso cérebro ao forçar a tridimensionalidade. De tempos em tempos, a indústria do cinema precisa criar algo para não perder parte de seu público frente a outras formas de entretenimento. Do advento dos televisores em meados do século XX, surgiu a necessidade de inovar as salas de exibição ao trazer telas maiores que - sem sombra de dúvidas - tornam a experiência audiovisual muito mais imersiva quando comparado ao de nossas salas de estar. Recentemente, a internet trouxe semelhante dilema ao modificar os hábitos de consumo relacionados ao vídeo. Independente se for no Youtube ou Netflix, a praticidade muitas vezes sobrepõe a tão tradicional ida ao cinema já que nela envolve o deslocamento, trânsito, filas, ingresso e outras demandas. Não é à toa que ao estrear em 2009, o filme “Avatar” de James Cameron se tornou a maior bilheteria da história. Inaugurando a nova leva de filmes 3D, agora o consumidor comum e esporádico (leia-se o não cinéfilo e entusiasta) tinha um motivo para sair de casa: Uma nova experiência. Pôster do filme “Avatar” (2009) em que já se destacava a “novidade” referente a exibição. Seu diretor James Cameron criou novas tecnologias para tornar o 3D como conhecemos possível. Você pode até estar no grupo de pessoas que não gosta e prefere a projeção habitual em “2D”, mas é inegável o impacto que esta nova tecnologia trouxe para Hollywood. Das dez maiores bilheterias do ano passado, nove fizeram uso dela para lotar as salas ao redor do mundo. Contudo, você sabia que o cinema 3D não é algo tão recente assim? Ou melhor, você sabe como funciona na prática este tipo de exibição? Antes de mais nada é importante destacar que tudo não passa de uma ilusão, algo criado para enganar nosso cérebro ao “forçar” a sensação de profundidade na tela. Nós seres humanos possuímos uma visão binocular, ou seja, cada olho enxerga uma imagem diferente e nosso sistema nervoso é o responsável por combiná-las em algo único. Com ângulos ligeiramente diferentes e um espaço de aproximadamente 5 cm entre os globos oculares, o cérebro processa as duas perspectivas e cria nossa visão ao calcular por estimativa a distância entre os objetos. Foi o que o médico Charles Wheatstone demonstrou quando, por volta de 1830, montou o primeiro estereoscópio. Neste aparelho, um jogo de espelhos refletia dois desenhos ligeiramente diferentes para cada um dos olhos e que, ao visualizar de maneira integral, sua soma resultava em uma imagem com grande profundidade e volume. Graças a este experimento, foi possível compreender o motivo pelo qual alguém que perdeu a visão em um dos olhos terá sua noção espacial prejudicada pelo resto da vida. Projeto de Charles Wheatstone e uma recriação atual do estereoscópio. Pela diferença na distância e ângulo, a imagem criada contém profundidade. Certo, agora que já sabemos um pouco mais sobre como as imagens são processadas em nosso corpo, retornemos ao passado para entendermos melhor como se dá o 3D no cinema. Quem não se lembra dos clássicos óculos de celofane em vermelho e azul que usávamos para ver uma projeção ou até mesmo livros que prometiam a sensação de tridimensionalidade? Ainda no século passado, os primeiros filmes gravados em 3D eram captados por duas câmeras equipadas justamente com lentes destas duas cores. Usadas como filtros, as vermelhas barravam a passagem da cor azul e registravam as imagens com ausência deste tipo de tonalidade, sendo o mesmo feito com a sua contrapartida. A pequena distância existente entre as duas câmeras produzia um efeito similar ao da visão estereoscópica. Na sala de exibição, dois projetores eram usados para sobrepor as imagens. Simplesmente por usarmos óculos com uma lente azul e outra vermelha, era possível impedir a passagem de uma das gravações em um dos olhos. Como a filmagem era feita em uma perspectiva diferente, surgia o efeito de profundidade entre os planos justamente por “enganarmos” nosso cérebro em sua tentativa de criar uma única imagem. A todo momento enxergamos duas coisas que, pela incapacidade de se sobreporem, geram a sensação de tridimensionalidade. Óculos de celofane que serviam para barrar as cores e, assim, criar o efeito 3D. Os filmes modernos são gravados de forma similar, mas sem o prejuízo causado pela perda de informação das cores que acontecia no cinema 3D antigo. Ainda hoje as cenas necessitam ser filmadas duplamente com uma leve diferença de ângulo. Antes, isso era feito ao acoplar duas câmaras, o que despendia grandes esforços para sincronizá-las, além do alto custo de produção, já que a quantidade de equipamentos e operadores precisava ser o dobro em set. Atualmente, aparelhos mais modernos são equipados com duas lentes e conseguem capturar as imagens simultaneamente. Essas câmeras gravam as cenas em polarizações diferentes – enquanto uma das lentes apresenta polarização horizontal, a outra é polarizada verticalmente. Em outras palavras, elas filmam as cenas bloqueando a entrada de luz em alguns pontos e permitindo em outros. Tal como acontecia com as cores vermelho e azul, durante a exibição do filme os espectadores utilizam óculos com lentes igualmente polarizadas, fazendo assim com que cada olho enxergue uma imagem diferente da outra. Câmera utilizada para captações em 3D. Observe a entrada frontal para duas lentes que gravam simultaneamente. Neste ponto, outra particularidade técnica envolvendo o cinema entra em ação. Tradicionalmente, os filmes são projetados a 24 quadros. Isto quer dizer que dentro do curto espaço de apenas um segundo, 24 fotografias (os ditos ‘frames’) são colocadas em sucessão para gerar o efeito de movimento que vemos na tela. Por serem utilizadas câmeras que gravam simultaneamente em duas lentes, o filme terá, portanto, 48 quadros por segundo - o dobro quando comparado aos filmes “convencionais”. Contudo, na sala de cinema, 24 deles serão vistos apenas pelo olho direito e os outros 24 apenas pelo olho esquerdo. Exibido muitas vezes com dois projetores ao mesmo tempo, os óculos 3D com os filtros de polaridade permitem que cada olho receba um quadro, uma projeção em particular para o esquerdo e outra para o direito. A partir dessa duplicidade, pela junção das duas imagens vistas por cada globo ocular, o nosso cérebro forma uma terceira dotada de profundidade. Flipbooks, aqueles pequenos cadernos que pela rapidez na sucessão dos desenhos gera a sensação de movimento seguindo o mesmo princípio dos quadros no cinema. Agora que você já sabe como o cinema 3D moderno funciona, faça um teste na próxima vez que entrar na sala de exibição. Quando o filme começar, retire os óculos para ver a tela embaçada pela sobreposição das imagens. Depois, usando o apetrecho, tampe um dos olhos com as mãos e, alternando entre os olhos, você conseguirá ver cada uma das projeções de forma individualizada. Graças ao bloqueio na luz das lentes polarizadas, os planos da cena se destacam. Conseguimos assim enxergar no lado esquerdo aquilo que está na “frente” da tela (geralmente os atores e a ação principal) e no direito o restante (cenário, figurantes, etc). Por vezes, escutamos que tudo em um filme não passa de uma ilusão - artifícios utilizados para criar sensações que nos desligam do mundo real para imergirmos de cabeça na narrativa. O 3D é mais um destes truques utilizados neste show de mágica chamado cinema.

  • Balanço de branco no cinema e seus impactos

    Como a simples mudança na cor muda toda nossa compreensão sobre um filme. Existem inúmeras ferramentas que os cineastas e fotógrafos utilizam para contar uma história, e algumas delas são tão sutis que muitas vezes passam despercebidas pelo espectador comum. Então vamos apresentar uma destas ferramentas para que você expanda seu conhecimento sobre o mundo do cinema, afinal, se você está lendo nosso blog e está buscando informações sobre a indústria, você já não é um espectador comum e será capaz de identificar a sutileza do balanço do branco nos filmes. Além disso, no final desta postagem, vamos mostrar um experimento que você pode fazer em casa para alterar o balanço do branco dos seus olhos. Vamos começar falando um pouco sobre história, seguido pelo ajuste nas câmera e finalizar apresentando as possibilidades de alteração e impactos que isso pode causar na pós-produção e no filme em si. Em 1848, William Thomson - que viria a se chamar Barão Kelvin - publicou uma nova teoria termométrica baseada no zero absoluto que serviu para padronizar o mundo da ciência. Nós estudamos nas aulas de física no colégio sobre as escalas de temperatura em graus Celsius, Fahrenheit e Kelvin, sim esse mesmo Kelvin. Mas o que diabos isso tem a ver com cinema? O cinema está muito ligado com o mundo da ciência, assim como sua precursora a fotografia, em que a revelação dos filmes em película nada mais é que uma reação química da prata. Os avanços tecnológicos sempre empurram a indústria do cinema adiante com a criação de sensores digitais, estabilizadores e drones, tudo isso devido ao avanço científico. Voltando ao nosso amigo Kelvin, com a criação da sua nova escala e a padronização das medições de temperatura, surgiu a necessidade de se medir a da luz. Porém, existem diversas fontes de iluminação, como a lâmpada incandescente, fluorescente, vapor de sódio e, claro, o sol. Quando se muda a fonte, a temperatura também altera de uma para outra. Balanço de branco é um ajuste que você faz na câmera antes mesmo de começar a filmar/fotografar. Basicamente, dizemos para a câmera qual o tipo de luz que estamos usando em cada momento, para que o sensor saiba interpretar a imagem e fazer os ajustes necessários para que as cores fiquem o mais fiel possível comparado com nossos olhos. Este ajuste é feito através do botão “WB” - o white balance, literalmente balanço de branco em inglês. Dentro no menu de “WB” na câmera temos várias opções, sendo alguns presets baseados em cores já conhecidas de temperatura, como as fontes que citei acima. Elas são: lâmpadas incandescentes (3200K), fluorescentes (4200K) e sol (5500K). Além destas predefinições, existe a opção de você selecionar manualmente qual temperatura você julga adequada, tudo isso para que as cores fiquem o mais fiel possível aos olhos humanos, ou, para transmitir a sensação desejada. Neste ponto as coisas começam a ficar interessantes. Os cineastas utilizam desta técnica para acrescentar mais uma camada de dicas visuais para que o espectador sinta diferentes sensações/emoções em partes específicas de seus filmes. Quando o personagem está em casa brincando com os filhos na noite de natal, em um clima aconchegante e familiar, geralmente a cor da cena puxa para o vermelho, pois isso passa a sensação de calor e conforto. Porém, se esta mesma família é disfuncional ou existe alguma rusga entre os personagens, o branco puxa para o azul ou verde, remetendo assim o tom da sequência para algo mais frio e desconfortável. Isto é utilizado também para acentuar sensações que você já está vendo na tela, como por exemplo em A Múmia de 1999. Como o filme se passa no deserto do Saara, local extremamente seco e quente, as pessoas indiretamente fazem essa associação e, os diretores sabendo disso, realçam a cor colocando um leve tom amarelado. Isso faz com que a sensação de calor passe a se tornar desconfortável até mesmo para o espectador. Já em Top Gun Maverick de 2022, nas cenas de batalha que se passam sobre a neve e o mar, é adicionado um leve toque de azul, aumentando assim a sensação de frio e tensão nas cenas. Esta ferramenta é muito utilizada no cinema hollywoodiano a ponto de ter virado chacota para o resto do planeta - inclusive por reforçar estereótipos. Durante a guerra fria, era muito comum que os vilões dos filmes fossem russos e sempre eram mostrados em tela junto a cor azul para complementar o tom frio e calculista de suas personas. De forma semelhante, quando o filme se passa no México, o sépia amarelo é muito presente para separar cenas que se passam no país latino-americano com aquelas filmadas nos EUA. Além dos ajustes em câmera, algo que é muito utilizado por profissionais da área são os cartões de cor, que servem como referência para a pós-produção. O câmera capta uma imagem onde será feita a filmagem com as luzes de cena já postas e nesta imagem é colocado o cartão de cor contendo vários tons de cinza e uma amostra de algumas cores. Esta imagem é utilizada pelos editores no momento de fazer a colorização do filme. Assim, ele tem um padrão como referência e a partir dele pode criar dando o tom desejado para cada cena de acordo com a intenção do filme naquele momento. Esta é uma forma mais segura de atingir as cores desejadas, pois caso ele não tivesse esta imagem e fosse se basear no vestido da atriz que está em cena, por exemplo, nem sempre o branco das roupas é igual, tendo inúmeras variações como branco neve, branco gelo, branco creme… abrindo assim margem para erros e retrabalhos desnecessários. Em um recente trabalho da Fauno Filmes em parceria com a Associação São Roque, produzimos um musical baseado nas obras de David Bowie todo interpretado e cantado pelas crianças que fazem parte do projeto. A astronauta Major Tom vai em uma missão espacial a Marte, para expandir os limites do conhecimento humano, porém acaba em planetas inóspitos e desconhecidos. No filme “2021 Uma nova odisséia no espaço”, trabalhamos com bastante variações de balanço de branco, para realçar as emoções e sensações que a protagonista encontrava nestes diversos planetas. Confira neste link o teaser do filme e, caso tenha interesse, a obra está disponível gratuitamente no canal do youtube da Fauno Filmes. Agora como prometido, vamos ao experimento que você pode fazer em sua casa. Pegue dois objetos que sejam grandes o suficiente para tampar o seu olho por inteiro, um de cor mais azulada/fria e outro de cor mais quente puxando para o vermelho. Olhando para fora da janela, mantenha os dois olhos abertos e cubra um deles com um dos objetos, agora cubra o outro olho com o outro objeto, vá intercalando para notar as diferenças. Percebeu a mudança? Isso é o seu cérebro (sensor da câmera), se adaptando aos comandos de balanço de branco (os objetos) que você coloca na sua câmera (seus olhos). Desta forma, você pode “alterar” o que está vendo entre duas tonalidades de maneira quase que instantânea.

  • Segunda Unidade: O que é? Onde vivem? Do que se alimentam?

    Equipe paralela de filmagem representa economia de tempo e dinheiro nas produções, além de desempenhar inúmeras funções dentro do mesmo filme. Quem já ficou no cinema assistindo aos créditos de um filme, seja por curiosidade, porque conhece alguém que trabalhou no filme ou para esperar as famigeradas cenas pós-créditos, já reparou em alguns departamentos e cargos com nomes inusitados. A maioria das pessoas nem sabe o que esses profissionais fazem e sua real importância para a obra. Uma delas é a “Segunda Unidade” - ou “Second Unit” em inglês - que normalmente é composta de um diretor, diretor de fotografia e assistentes. Mas, o que exatamente essa segunda unidade faz? Equipe de filmagem preparando o set para a próxima cena. Ela tem várias funções que variam de acordo com o filme. Abaixo, vamos citar algumas delas, mas, em resumo, é uma unidade de gravação que não precisa dos atores principais para filmar. São elas: 1. Captação das chamadas “Establishing Shot” que são as imagens que ditam onde está ocorrendo a ação. No início de um filme, quando vemos o topo dos prédios de Nova Iorque, as movimentadas rodovias de Los Angeles ou a imensidão da floresta amazônica, essas cenas têm algo em comum: servem para anunciar ao espectador onde a história do filme irá se passar. Podendo ser tanto takes aéreos quanto no chão, os “Establishing Shots” igualmente são utilizados nas fachadas de prédios ou casas, que normalmente são colocados pela edição em momentos de transição do filme. Quando vamos de um lugar para outro, por exemplo, ao sairmos de uma cena na delegacia para o esconderijo dos bandidos, vemos uma imagem da fachada da casa e seus arredores, estabelecendo assim onde a nova sequência do filme irá acontecer. De um helicóptero o operador controla via joystick a câmera montada na frente da aeronave. 2. Outra função é filmar cenas de ação que não requerem os atores principais, mas sim seus dublês. Takes de acidentes de carros, explosões ou uma luta coreografada que normalmente não contam com os protagonistas - e que representam alto risco e demandam bastante tempo por conta da complexidade - podem ser feitas pela segunda unidade, que nestes casos recebe o nome de “Stunt Unit”. Além disso, nenhuma produtora iria colocar em risco a vida do Brad Pitt ou da Scarlett Johansson, pois isso seria o fim do filme e da carreira dos produtores. Mesmo em alguns casos, como nos filmes de Tom Cruise e Jackie Chan, que são atores notórios por não utilizarem dublês, eles têm de assinar documentos e mais documentos de seguradoras para isentar o resto da produção quanto a qualquer acidente em set. Bastidor de “Missão Impossível: Protocolo Fantasma” (2011) em que Tom Cruise está pendurado na lateral do Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo, em Dubai. 3. Quando a obra conta com personagens gerados em computador, muitos dos movimentos destes personagens são filmados em estúdios com roupas de captura específica, iluminação e câmeras especiais. Esta também é uma das funções desta unidade secundária. Exemplificando, no caso de “Os Vingadores Guerra Infinita” (2018), quando Thanos estava em cena, era o diretor e a equipe principal de filmagem que se encontravam no set. Porém, para a captura de movimento de seus minions, foi utilizada a segunda unidade. Atores com trajes de mocap (motion capture) em um estúdio dedicado. Os pontos brancos em suas roupas são identificados pelo computador, que posteriormente irá substituir os movimentos dos atores por seres gerados em animação. 4. Por fim, esta unidade é responsável pelas imagens genéricas de complemento, as chamadas “Fillers”. São tomadas que são usadas para compor uma cena maior ou para ajudar a dar contexto à ação principal, como takes de relógios rodando seus ponteiros, crianças brincando no parque a distância ou uma bandeira tremulando ao vento. Tudo isso ajuda a compor o clima e a história que está sendo contada. Por exemplo, em "Jurassic World” (2015), quando os dinossauros atacam o parque e as pessoas saem correndo em desespero, em sua grande maioria as cenas contam exclusivamente com figurantes. Logo, foram captadas pela segunda unidade. Inclusive uma destas cenas virou o meme do “Margarita Guy”, como visto abaixo: Imagem que se tornou o meme Margarita guy em "Jurassic World” (2015). Agora você pode estar se perguntando, mas por que contratar uma equipe extra para fazer tudo isso, sendo que a produção já tem um diretor, fotógrafo e tudo mais? Simples, o dinheiro! Os cachês da equipe principal geralmente são muito mais altos do que os de uma segunda unidade, por se tratarem de pessoas mais renomadas e de currículos mais extensos. Então, ao invés de pagar mais um mês de cachê para o Roger Deakens, diretor de fotografia que já tem múltiplos Óscares em seu histórico, você contrata um diretor mais novo e mais barato por seis meses para fazer o trabalho braçal pelo mesmo valor. E como toda regra tem suas exceções, volta e meia um diretor de renome é chamado para atuar como segunda unidade. Geralmente são projetos muito grandes, onde as cenas de ação são fundamentais para o filme, então é importante que a qualidade e execução junto aos figurantes e dublês sejam tão primorosa quanto as cenas realizadas pelos atores principais e a primeira equipe. Como foi o caso de “Jogos Vorazes” (2014) que contou com Steven Soderbergh, que já dirigiu “Erin Brockovich” (2000) e “11 homens e 1 segredo” (2001), como um dos diretores de segunda unidade. Agora que você já sabe o que uma segunda unidade faz, no próximo filme que assistir tente identificar essas cenas, e apreciá-las de forma diferente, pois elas são responsáveis por criar o clima do filme e definir localizações e objetos que podem vir a alterar a trama da história. Imagem aérea captada para o institucional da Risotolândia, que ajuda a estabelecer a Ilha do Mel como o local onde irá se passar a história durante parte do filme. Aqui na Fauno Filmes já trabalhamos como segunda unidade para alguns projetos, nacionais e internacionais, em que sairia mais em conta para a produtora contratar uma equipe local ao invés de se deslocar para Curitiba e região. Em nossos filmes, utilizamos técnicas e aparatos próprios desta unidade para compor e dar mais profundidade em nossos projetos. É o caso do institucional realizado para a empresa “Risotolândia” que realizamos em 2019, no qual utilizamos as “Establishing Shot” aéreas e de fachadas para indicar ao espectador onde cada trecho do filme estava se passando. Confira no link abaixo o institucional completo: https://vimeo.com/312159091

  • Apocalipse para falar sobre nós mesmos

    Como o subgênero cinematográfico associado ao fim dos tempos trata, na verdade, do impacto humano no meio ambiente pelo imediatismo do caos. Alguns anos após o “Independence Day” (1996) ter estreado nos cinemas, seu diretor Roland Emmerich enfrentou imensa pressão para produzir uma sequência. O seu filme de ficção científica arrecadou mais de 300 milhões de dólares nas bilheteiras norte-americanas e 800 milhões no restante do mundo – isso sem falar em toda a repercussão e alcance ao pautar desde extensas reportagens na mídia a até espontâneas conversas de bar. Naturalmente, os executivos do estúdio queriam outra invasão alienígena frente ao estrondoso sucesso comercial atingido. Contudo, na virada do século, as preocupações de Emmerich residiam em outra perspectiva igualmente apocalíptica. Impactado pelo livro "The Coming Global Superstorm" (1999) dos autores Art Bell e Whitley Strieber, nele a narrativa explora a possibilidade de uma catástrofe ambiental sem precedentes em um futuro próximo. De igual forma, o diretor surgiu com um roteiro em que a distopia futurista não mais seria causada por agentes externos, mas que a culpa pelo cenário calamitoso seria totalmente vinculada à ação humana. Em recente entrevista para o site jornalístico Vox, Roland relembra que "meus amigos pensavam que eu era louco. Sempre me perguntavam: 'De que trata este filme?' eu dizia: 'Aquecimento global'. Não se esqueçam que naquela altura, em 1999, esse tema era uma espécie de coisa marginal. As pessoas liam sobre ele, mas ninguém sabia realmente o que se estava a passar". O diretor complementa atentando ao fato de que em “Independence Day”, a salvação vem dos militares que enfrentam uma ameaça interplanetária de maneira idealizada e patriótica. Igualmente, na última década, filmes da Marvel e DC acabam por imputar a responsabilidade da sociedade na figura de um super-herói. Querendo mudar essa percepção dentro de uma obra apocalíptica, ele acabou por escrever e dirigir em 2004 o filme "The Day After Tomorrow" – que muitos lembram por ter sido comercializado com a icônica imagem da Estátua da Liberdade enterrada sob a neve. A sua exatidão científica foi duramente debatida, a narrativa central ridicularizada como simplória e o desfecho criticado por ser previsível. Porém, seu impacto duradouro nas audiências mundiais é inegável. Mesmo agora, à medida que o aquecimento global vai se tornando cada vez mais presente em toda a indústria do entretenimento, o filme de Emmerich está frequentemente entre os primeiros a ser mencionado. Este assunto já tinha sido abordado anteriormente em Hollywood. Questões climáticas receberam suas primeiras menções ainda na década de 1970. As obras “Silent Spring” (1962) e “The Limits to Growth” (1970) encontravam no espírito hippie da época o arcabouço narrativo para criticar os avanços do homem frente à natureza. Inclusive, em um dos filmes mais reconhecidos da época, “Soylent Green” (1973), retrata uma Nova Iorque com 40 milhões de habitantes que tem de suportar, ao longo de todo o ano, altas temperaturas devido ao efeito estufa. Independente da época, filmes sobre distopias climáticas imaginam cenários em que rapidamente as estruturas que regem nossa sociedade são deterioradas frente às mudanças sem precedentes. O planeta Terra em si age como uma força punitiva em relação ao homem que passa a viver sob novas regras. Embora não haja dois apocalipses iguais dentro da cinematografia hollywoodiana, muitos acabam contendo os mesmos ingredientes: Agitação civil, moralidade decadente, atenuação das injustiças sociais, colapso das estruturas governamentais, surgimento de poderes e milícias locais, enfim, as mudanças no planeta servem como pano de fundo para falar sobre nós, humanos. Filmes como “Mad Max: Fury Road” (2015) partem justamente para a pós catástrofe em um mundo já arrasado. Não se preocupando em determinar o como, mas principalmente demonstrando o que aconteceria depois, o diretor George Miller eleva o tom ao retratar um cenário caótico calcado na violência como forma de lidar com a escassez de água e comida. Em suas próprias palavras, “quem matou o mundo faz parte de uma alegoria. O que o filme transmite é um cenário mais elementar do que o complexo momento moderno que estamos lidando. É uma regressão a um tempo medieval, porém possível”. Concluindo, Miller destaca que “secas, queimadas e inundações são temas intrínsecos à narrativa humana. O que acontece é que agora eles estão amplificados pelas mudanças climáticas de forma irresistível”. O que "The Day After Tomorrow" e “Mad Max: Fury Road”, no final das contas, têm em comum? Independente da estética e narrativa escolhida por seus realizadores, ambos filmes retratam um mundo sem volta através do extremo. Em pouco mais de duas horas, trazem para o espectador o imediatismo das mudanças climáticas aos quais nós, pelo suceder do cotidiano, muitas vezes não percebemos ou até mesmo negamos. Esse poder de síntese do audiovisual, em rapidamente mostrar um propósito maior em sua história, funciona para que possamos parar e refletir sobre nossas ações, dizeres e escolhas sem as distrações do dia a dia. O tempo do cinema é diferente do nosso, em que cada segundo é pensado para atingir um objetivo coeso que perpassa toda a estrutura do filme. De igual forma, um dos últimos trabalhos da Fauno Filmes seguiu semelhante diretriz em sua feitura. No vídeo em questão, apresentamos de forma metafórica uma esteira de separação de lixo enquanto o planeta Terra. Nas idas e vindas dos itens, todo o entorno é modificado em efeitos de computação. Desta maneira, o espectador vê de maneira direta o cenário se materializando em sua frente junto a mensagem que envolve sustentabilidade e respeito com o planeta. Exemplificando, ao tratar sobre o acúmulo de plástico provocado pelo homem, o entorno se transforma em um grande lixão contendo do material; de igual forma, ao falar do desperdício de água, tudo ao redor da esteira vira uma poça suja e contaminada. Assim, como feito nos filmes anteriormente tratados neste texto, fazemos do imediatismo uma forte ferramenta para sensibilizar o espectador quanto ao meio-ambiente. Confira o vídeo no link a seguir: https://vimeo.com/697514183

  • O Impacto da Luz

    Tudo o que você vê ou não na tela do cinema, foi cuidadosamente pensado e planejado para assim ser A direção de fotografia é um dos braços fundamentais do cinema. Por definição, a palavra “fotografia” significa “desenhar pela luz”. De maneira simplista, é essencialmente toda técnica referente a criação de imagens por meio da exposição luminosa. O papel do diretor de fotografia, é basicamente pegar as visões do diretor e roteirista e traduzir em imagens, que sejam capazes de transmitir o sentimento e as intenções que os mesmos querem passar para o espectador. Para isso são utilizadas diversas técnicas e equipamentos diferentes que acabam influenciando na imagem final, como movimentos de câmera, lentes, filtros e até a velocidade que o obturador câmera gira, porém isso é assunto para um outro momento, vamos nos ater ao elemento que dá nome à esta função, a luz. Muitas vezes, o grande público passa batido conscientemente sobre tantas especificidades e nuances oriundas do trabalho executado por este profissional. Contudo, a soma de todas as suas responsabilidades gera o sentimento, aquela sensação buscada em cada cena para assim dar o tom do filme. Abaixo, seguem alguns exemplos que melhor ilustram as intencionalidades pretendidas quanto à iluminação em set. • Dureza e suavidade: Quando se fala em como uma cena deve transmitir emoções somente pela fotografia, um elemento que sempre aparece na equação de qualquer diretor é o quão dura ou leve deve ser a luz. Basicamente, tendo um objeto principal a ser evidenciado pela câmera – sendo na maioria das vezes os próprios atores – se estabelece uma relação entre a quantidade de luz emitida versus o tamanho deste objeto. Em outras palavras, consiste em mensurar o quão grande é a fonte de luz e o quanto ela afeta a criação de sombras, se o contraste entre o claro e escuro se dará de maneira incisiva ou branda. Assim, a fotografia parte em dar maior dureza ou suavidade para a cena, colaborando em estabelecer o lado emocional junto a atuação dos atores. • Contraste e proporção: Uma forma de criar a iluminação de um filme é pensar em quais gêneros narrativos ele se enquadra. De um terror psicológico, passando por um drama de época, até chegar em uma comédia romântica, diferentes proporções entre luz e sombra podem ser utilizadas para gerar as intenções pretendidas. Seja medo, apreensão, felicidade, empatia, tristeza ou riso, balancear o contraste no rosto dos personagens é algo básico e que faz toda a diferença. Para ilustrar melhor, pense em qualquer ator. Agora, imagine que sua cara está iluminada de maneira uniforme, com muita pouca diferença entre o lado esquerdo e direito. Aos poucos, vá escurecendo apenas uma das metades. Continue até chegar ao ponto em que apenas um dos lados do seu rosto permanece visível. Os diferentes pontos desta escalada - entre o contraste da luz versus sombra - são utilizados de maneiras específicas dentro de um filme. Neste exercício que você acabou de executar, quais proporções ficariam melhor para um thriller policial ou então uma comédia? • Luz e narrativa: Em certos casos, a luz não somente auxilia em dar o tom da cena, mas funciona como imprescindível elemento que dá todo o sentido para as ações e falas dos personagens. Um tipo comum de iluminação que segue esta linha de raciocínio é a “motivacional”. Quantas vezes nos deparamos com dizeres populares ou alegorias em que caminhar na direção da luz é alcançar um estado pleno, atingir um conhecimento libertador sobre determinado assunto ou até mesmo chegar ao fim de uma jornada extenuante? A luz passa a ser a narrativa, eleva-se a um patamar inigualável para aquela cena em relação a qualquer outro elemento que possa compor a história. Vale destacar que a luz “motivacional” é apenas uma das várias formas em que a iluminação passa a ser elemento narrativo decisivo. As possibilidades são infinitas. Os exemplos não param por aqui. Na verdade, os filmes trazidos neste artigo servem apenas como um ilustrativo sobre as várias técnicas e práticas que um diretor de fotografia emprega nas suas obras audiovisuais. E isto falando apenas da iluminação. Imagine colocar na equação os filtros, lentes, movimentos de câmera, exposição, enquadramento e demais incumbências tão importantes na hora de “desenhar pela luz”. Não é à toa que esta função é uma das mais importantes durante a noite do Oscar. Aqui na Fauno Filmes, nossos vídeos – independente do formato, linguagem, propósito e duração – prezam por igual cuidado na hora de pensar sua fotografia. Toda a preocupação com a estética e luz se faz presente em nossos audiovisuais. Acreditamos que assim, somado a um roteiro, produção e direção bem alinhados, se sobressaia ainda mais as intencionalidades que se buscam. Você quer emocionar, entreter, informar ou se aproximar do seu público? Deixe a direção de fotografia te ajudar ainda mais a alcançar este objetivo. https://vimeo.com/653693534

  • O que é um plano-sequência?

    De que forma uma única técnica cinematográfica impacta decisivamente nossa percepção sobre o filme, principalmente sobre as noções de espaço e tempo dentro da narrativa. Quem nunca viu aquelas longas cenas em um take único, quando parece que o diretor não parou de gravar um momento sequer? Isso é um plano sequência. A câmera quase literalmente narra a história. A ação se desenrola de forma fluida, sem cortes, aumentando a sensação de pertencimento à cena. Contribuindo para uma maior imersão do espectador frente a narrativa, a técnica parte da não-fragmentação de uma ação pela montagem. Registrando todo o acontecimento sem interrupções do começo ao fim, a imagem se desloca temporalmente e espacialmente junto aos personagens. Mas, porque este recurso estético tem esse nome? Na verdade, o termo em si surge da junção de outros dois conceitos amplamente utilizados pelos profissionais do cinema. Então, vamos a eles. A menor parte de uma imagem em movimento é o que chamamos de plano, que nada mais é do que aquilo gravado e que depois será editado entre dois cortes. A existência de um plano é delimitada pelo tempo, ou seja, seu início e término acontece pela sucessão de outros iguais a ele. Seu conjunto forma uma cena e várias cenas de uma mesma ação formam uma sequência. Temos, portanto, uma noção do menor para o maior em que a junção das partes visa estabelecer o todo. Tal como um texto, os planos são os versos, cenas os parágrafos e a sequência o capítulo. Exemplificando, imagine dois personagens conversando em um balcão de bar. No set, a equipe de filmagem realizou diversos planos de todo o encontro, como: Homem bebendo enquanto escuta sua parceira; mulher dando risada e levando o guardanapo até a boca; os dois se olhando em silêncio; close do garçom servindo o vinho nas taças; homem de forma atrapalhada derruba a bebida no vestido; mulher levanta e vai até o banheiro; esfrega sabonete na mancha; usa um secador de cabelo sobre a roupa; retorna ainda mais confiante pelo corredor; se assusta ao entrar novamente no bar; homem continua sentado no balcão só que conversa com outra pessoa; close na mulher pegando sua taça de vinho pela metade; joga o líquido contra o homem. No parágrafo anterior, podemos facilmente compreender a construção da narrativa dentro dos conceitos de plano, cena e sequência. O primeiro diz respeito a tudo que é mostrado para o espectador de forma contínua, isto é, como uma sucessão de imagens em movimento sem interrupção de qualquer tipo (mulher dando risada e levando o guardanapo até a boca). A cena é o conjunto de planos que acontecem no mesmo lugar e momento. Sempre que a ação muda espacialmente e temporalmente, troca-se por consequência a cena (no exemplo temos a cena do balcão, banheiro e o retorno da mulher). Já a sequência é o conjunto das cenas que estão interligadas pela narrativa. O cenário pode variar, mas a ação tem continuidade lógica (no nosso caso, poderíamos englobar tudo na sequência do encontro). Agora fica mais fácil de entender o termo aqui em questão. Um plano de tão grande acaba se tornando uma cena e, indo além, trafega por diferentes ambientes ao ponto de virar uma sequência coerente perante a narrativa proposta pelo filme. Isso é um plano-sequência. Um dos principais entusiastas desta técnica foi André Bazin (1918 - 1958). Crítico e teórico do cinema, ele defendia um realismo cinematográfico a todo custo que poderia ser alcançado pelo uso de algumas práticas durante as filmagens. A primeira, diz respeito à alta profundidade de campo que, de forma simplista, nada mais é do que gravar sem desfocar coisa alguma do plano. Assim, a imagem se aproxima da forma como enxergamos as coisas no nosso dia a dia. Seguindo nesta linha, o pesquisador também propagandeava o conceito do plano-sequência como uma escapatória para a montagem. Para Bazin, essas duas técnicas dariam “ao olhar a liberdade de perscrutar o real em sua pulsante e contraditória imanência”. Dessa forma, a montagem não fragmenta o “real” e nem induz o espectador a uma leitura unidirecional do mundo. Contudo, essa visão foi duramente criticada por muitos críticos e diretores que entendiam o plano-sequência apenas como mais uma entre tantas outras técnicas que simulam a passagem de tempo em um filme. Ou seja, ela não é mais ou menos real, e sim algo que se soma ao repertório do cineasta para atingir a sensação pretendida. Além disso, muitos discordam da visão de Bazin sobre o corte, por entenderem que a edição em si é o que faz do cinema algo único quando comparado a outras manifestações artísticas. Tirar isso dela seria como acabar com sua essência, com aquilo que ele possui de tão único e que já faz parte do repertório referencial do público. Afinal de contas, diversos teóricos defendem o contrário: pelo costume, o espectador estranha a falta de cortes em relação a sua ausência. Para além da teoria, muitas produções se desafiaram nas realizações em plano-sequência. E até mesmo grandes diretores se depararam com uma barreira comum: a tecnologia. No período do cinema analógico o tempo limite de gravação de um plano era o tamanho do rolo de filme. Um negativo de 1000 pés (cerca de 300 metros) registrava apenas 11 minutos. Como seria possível, então, realizar um longa-metragem em plano-sequência com essa limitação? Na década de 40, Alfred Hitchcock tinha a intenção de adaptar para o cinema uma peça de teatro que se passava das 19h30 às 21h15. Segundo o diretor, “a peça durava o mesmo tempo que a ação, era contínua, desde que a cortina subia até que o pano descia, e fiquei pensando: como é que, tecnicamente, posso filmar da mesma maneira?”. Rompendo com a tradição e a impossibilidade tecnológica da época, Hitchcock apresentou em 1948 “Festim Diabólico”, um longa-metragem que simula o plano-sequência em toda sua duração. Para driblar a limitação dos 11 minutos do negativo, o cineasta “escondeu” os cortes entre os rolos com uma técnica intitulada blocking. Quando o rolo estava prestes a acabar, o operador de câmera se aproximava de um personagem, dando um close-up em seu casaco e deixando a tela inteiramente preta. Após trocar o rolo do negativo, o próximo plano iniciava da mesma posição, ou seja, na imagem preta do casaco do personagem. Dessa forma, a tela preta criava uma costura entre os planos, disfarçando o corte e dando assim a sensação de fluidez perante o público. Tudo tinha que ser milimetricamente planejado. O chão tinha diversas marcações e o operador de câmera tinha que alinhar sua posição com os diálogos do roteiro. O cenário também era adaptado já que os móveis tinham rodinhas e as paredes eram deslocáveis para a câmera transitar livremente entre os cômodos. Ao todo foram dez dias de ensaios, dezoito dias de gravação e nove dias de refilmagens. O tempo passou e as dificuldades em realizar os planos-sequências continuam. Mesmo com os avanços tecnológicos, gravar longos takes ainda esbarram no acerto de dezenas (ou até centenas) de profissionais coordenados tal como uma coreografia. Por isso, filmes que abraçam essa técnica geralmente o fazem não somente pelo senso estético, mas pensando no quanto o plano-sequência impacta decisivamente na compreensão da narrativa. É o caso do recente filme “1917” (vencedor de melhor fotografia no Oscar de 2020), em que o diretor Sam Mendes e o diretor de fotografia Roger Deakins construíram os 118 minutos de filme com um corte só. É claro, há alguns outros imperceptíveis, como quando uma porta fecha ou acontece uma explosão e tudo fica escuro, mas a sensação é de que, realmente, acompanhamos os personagens em tempo real durante a Primeira Guerra Mundial. E porque isso é tão importante para a audiência? Segundo seus realizadores, o filme que pretendiam fazer necessitava ser rodado em plano-sequência pois só assim conseguiriam retratar todo o caos, perplexidade e perda da noção espacial que os soldados relataram ao retornar do conflito. Exemplificando, logo no começo, dois soldados andam pelas trincheiras sem parar. Quilômetros e mais quilômetros são percorridos sem cortes e o espectador tem a compreensão de forma aproximada sobre como seria estar naquele verdadeiro labirinto claustrofóbico debaixo da terra. Sem a edição, andamos juntos e ficamos abismados frente a dimensão daquele espaço. Em outro momento, os dois personagens se encontram lutando contra um soldado inimigo que os faz uma emboscada. Lá no fundo, concomitante, se observa caças voando e atirando uns nos outros no céu. A ação se desenvolve em duas perspectivas e o público acompanha simultaneamente todo o contexto da guerra em suas várias frentes sem cortes. Tudo está acontecendo sem interrupções. Para chegar neste resultado, o diretor Sam Mendes e sua equipe levaram 65 dias para gravar tudo. Entre as maiores dificuldades estavam imprevistos principalmente relacionados às mudanças climáticas. Por este motivo, as captações sempre aconteciam em dias nublados para evitar alterações na continuidade e luz. Aqui na Fauno Filmes, realizamos diversos planos-sequências ao percebermos que a narrativa audiovisual será beneficiada pela técnica. É o caso do clipe musical “Canto V” em que o trabalho de câmera acompanha o tempo todo a bailarina. Juntos, travam uma coreografia sem cortes igualmente fluida. Assim como o movimento da dança, o conceito estético visou não fragmentar a percepção da audiência sobre os passos e expressões. Mesma técnica, porém com outro objetivo, no vídeo “Political Trends” realizamos um plano-sequência para demonstrar ao espectador que não existe quebra entre o Link para o clipe “Canto V” do duo Miniconto: https://vimeo.com/141599182 Link para o vídeo “Political Trends”: https://vimeo.com/259669376

  • Comédia para falar sério

    Como o gênero cinematográfico associado ao riso pode abordar temas complexos e caros da nossa sociedade. Um paciente vai ao médico queixando-se de depressão, ansiedade, um verdadeiro desgosto pela vida. O médico, após analisar sua situação, diz: "Eu por acaso tenho a cura. O famoso palhaço Pagliacci está na cidade; vá ver o seu espetáculo, dê boas risadas e com certeza se sentirá melhor". O paciente levanta a cabeça, olha na sua direção e responde: "Mas doutor, eu sou o Pagliacci”. Esta anedota bem-humorada esconde complexos temas em sua ironia. Com origens ambíguas quanto a sua data e origem, a passagem se baseia na ópera homônima escrita pelo italiano Ruggero Leoncavallo de 1892. Ou seja, a piada envolvendo o contraditório palhaço melancólico já acompanha nossa sociedade a séculos. Aquele que faz rir, exímio no compromisso com a gargalhada, não consegue sentir um pedaço sequer da alegria que transmite para seu público. Não conhecemos o ser humano a fundo em tão poucas palavras, mas temos algumas pistas sobre quem ele é: Uma pessoa que sente a vida dura e cruel, sozinha em um mundo que já não faz mais sentido. Rir da ida de Pagliacci ao consultório faz com que o humor nos ajude a desabrochar reflexões maiores sobre nós mesmos. A comédia é um gênero que sempre esteve presente dentro da cinematografia. Pequenos filmes trazendo situações “pastelão” - ou seja, de riso fácil pela fisicalidade apresentada nas cenas - datam ainda do século XIX. Esse tipo de comédia tátil pode ser encontrada em “L'arroseur arrosé”, de 1895 dos irmãos Lumière. Nele, um jardineiro tem o fluxo de água da sua mangueira interrompido propositalmente por outro personagem e tudo descamba para uma perseguição atrapalhada com tombos e sopapos. Da mesma forma, Thomas Edison realizou a obra de apenas 20 segundos chamada “Wringing Good Joke” (1899) em que uma criança amarra a cadeira de seu avô no intuito de derrubá-lo no chão. Com o advento de novas tecnologias relacionadas ao cinema, a comédia expandiu suas possibilidades. Principalmente pelo acréscimo do som, ela passa a se subdividir em dezenas de categorias como a sátira, paródia, situacional, familiar, romântica, tragicômica, musical e afins. Contudo, algo presente em todas elas é a capacidade de relacionar o humor com um contexto maior. Ao proporcionar alívio cômico nas experiências mais mundanas possíveis (trabalho, casamento, viagens, etc), os filmes trazem reflexões complexas a partir de uma estética leve e aparentemente descompromissada. Mas, por mais refrescante e positiva que possa ser uma abordagem bem-humorada sobre nosso cotidiano, o que acontece quando se busca relacioná-la frente a situações que, a priori, não são engraçadas? Mais ainda, quando abordam acontecimentos e temas relacionados a catástrofes, preconceitos, distúrbios, dramas pessoais e tragédias? Em particular, público e crítica vêm aclamando filmes que justamente trafegam por esta tênue e perigosa linha nas últimas décadas. Enquanto no final do século XX muito do cinema hollywoodiano ainda utilizava grupos minoritários de forma estereotipada para fazer graça, na virada para o XXI acontece uma mudança profunda em suas abordagens. Seguindo uma tradição iniciada por Charles Chaplin em filmes como “Tempos Modernos", novas comédias partem de um cenário problemático e confuso - que facilmente poderiam ser contemplados em verdadeiros dramalhões - para deles fazer humor. É o caso do premiado filme italiano “A Vida é Bela” (2000) de Roberto Benigni. Nele, um pai tenta convencer seu filho de que o campo de concentração no qual estão presos é apenas um jogo. Ao longo da história, o protagonista explica as regras da “brincadeira” tentando extrair da crueldade formas de ludibriar a criança - se pedir comida, perde pontos; se fizer tudo o que os homens de uniforme lhe pedem, ganha pontos. O humor utilzado no filme não é uma resposta ao holocausto, mas sim uma maneira de seus personagens sobreviverem. Falar sobre a Segunda Guerra Mundial é sem dúvida desafiante, mas os alívios cômicos presentes na obra acabam por explicitar os acontecimentos brutais vividos na época. Sentimentos de perplexidade, contraste e distanciamento propostos por Benigni colocam ainda mais luz sobre a barbárie praticada. Exemplificando, na cena em que um soldado alemão pede a alguém para traduzir suas ordens em italiano, o pai se prontifica a fazê-lo. Ao invés de transpor a crueldade tal como falada pelo nazista, ele as modifica para parecer que, na verdade, são regras de um jogo divertido. O espectador vê ao mesmo tempo a confrontação entre essas duas realidades tão distintas e, por isso, a mensagem acaba ganhando ainda mais força. Concorrendo ao Oscar de melhor filme em 2022, o longa “Não Olhe para Cima” faz semelhante abordagem só que, ao invés de falar do passado, projeta um futuro catastrófico pelo viés da comédia. Se os dois longas anteriores do diretor Adam McKay, “A Grande Aposta” (2015) e “Vice” (2018), apontavam sua sátira para a elite financeira e política dos EUA, agora o cineasta dirige seu sarcasmo à sociedade moderna como um todo. Dividindo opiniões quanto a qualidade, pertinência e tom do discurso, sua mais nova produção conta a história de dois cientistas que descobrem um meteoro prestes a se chocar com a Terra. Tentando alertar autoridades e imprensa para que providências sejam tomadas, acabam envolvidos em um jogo de interesses em que a ciência não é levada à sério frente ao imediatismo inerente a mídia, políticos, celebridades e opinião pública do nosso tempo. Tal premissa em nada parece divertida, porém nos personagens secundários criados por McKay é onde reside a graça. Neles, podemos estabelecer comparativos quase que diretos com figuras públicas que são representadas de forma cartunesca em suas falas e ações absurdas. O riso é amarelo, já que a correspondência com o que vivemos se faz escancarada cena a cena. Independente da percepção considerada por muitos como rasa e meramente propagandística do filme, é inegável a urgência do tema tratado pela produção da Netflix. Por se tratar de uma comédia, o assunto que poderia afastar muitas pessoas torna-se mais palatável e, com isso, alcança um número maior de espectadores. Gostando ou não, a sátira foi por semanas o assunto mais comentado no twitter - um paradoxo no mínimo engraçado, já que as redes sociais são igualmente alvo das críticas de McKay. Recentemente, em uma produção da Fauno Filmes, igualmente utilizamos da comédia ao tratar de um assunto sério. Em geral, conteúdos envolvendo impostos, tributos e corrupção são veiculados de forma sisuda e sóbria frente aos desdobramentos que tais temas causam em nossa sociedade. Contudo, a partir de uma abordagem bem-humorada, retratamos o quanto o cidadão comum brasileiro paga em um único dia em taxas. Seja na narração, roteiro, direção, iluminação, paleta de cores, atuação e edição, toda a estética empregada gera uma sensação de urgência por meio de um viés descontraído que, no final, engrandece ainda mais o impacto do assunto proposto. Para conferir é só clicar no link a seguir: https://vimeo.com/manage/videos/545314339

  • Oscar em tempos de pandemia

    O que mudou no perfil dos vencedores da premiação e como o COVID-19 tornou o cinema mais inclusivo. Durante sua vida adulta, a peste bubônica fechou os teatros para William Shakespeare em pelo menos cinco ocasiões distintas. Somente com as igrejas abertas, qualquer local de entretenimento foi bloqueado pelo medo do contágio. Ficando em quarentena, um dos maiores dramaturgos de todos os tempos se resguardava em casa enquanto escrevia e planejava o futuro. Do isolamento, surgiram obras clássicas como “King Lean” que tiveram de esperar o surto abrandar para ver a luz do dia, ou melhor, a luz dos palcos. Se tal constatação serve de consolo para milhares de artistas que enfrentaram e continuam lidando com as restrições do COVID-19, o mesmo não se pode dizer sobre a indústria do entretenimento em si. Tradução do letreiro: “Cinema fechado até a vida real não parecer um filme. Fiquem salvos, sejam gentis”. Antagônico a Inglaterra do século XVI, hoje a cultura opera dentro de uma ótica de mercado em que sua estruturação funciona de maneira global e escalonada. Se algo não atua como previsto existe a possibilidade de tudo colapsar em proporções shakespearianas. Só para se ter uma ideia, os lucros na bilheteria mundial com o cinema caíram 81% quando comparados ao período pré-pandemia. Tamanha mudança não sairia incólume, muito pelo contrário. Reações claras ao “novo normal” levaram a profundas adaptações de Hollywood e demais centros cinematográficos. Não ficando de fora, o mesmo ocorreu com a premiação do Oscar. Dois movimentos começaram em 2020, se consolidaram em 2021 e agora pairam incertezas sobre suas permanências ao longo de 2022. O primeiro deles foi o aumento dos serviços de streaming como alternativa para os cinemas fechados. Somente neste período, plataformas online com catálogos de filmes cresceram 35% globalmente sobre sua base previamente instalada. A outra mudança não diz respeito à distribuição em si, mas ao formato da narrativa. Nestes anos de pandemia o que se observou foi a postergação dos blockbusters em prol de filmes menores do ponto de vista orçamentário. Equipe de “Vingadores: Ultimato” em foto após as gravações. O filme custou US $360 milhões. Cineastas só puderam trabalhar com pequenas equipes, um número menor de atores e orçamentos enxutos. Desta maneira, sai de cena grandes produções para dar lugar a histórias contidas, projetos pessoais e intimistas. Em entrevista no ano de 2016, o diretor Martin Scorsese reclamava sobre a falta de espaço em Hollywood para o surgimento de novos nomes que pudessem injetar na indústria um sopro criativo. Em muito, sua crítica foi direcionada ao imediatismo e sucesso garantido que bilionárias produções exigem, não havendo assim espaço para a experimentação e visões particulares nos filmes. Contudo, o consagrado cineasta mal sabia que a pandemia forçaria os estúdios a novamente enxergar neste tipo de produção a saída para o caos sanitário. E o que o Oscar tem a ver com isso? Tudo. A premiação funciona como um espelho de todos estes percalços. Basta ver a lista dos indicados nos últimos três anos para constatar a predominância de médias produções que trazem seu diretor/autor ao protagonismo. Em 2020 quem levou a estatueta foi a obra sul-coreana “Parasita” de Bong Joon-ho, seguido por “Nomadland” de Chloé Zhao em 2021 e, na última premiação, “CODA” de Sian Heder ganhou melhor filme tendo custado apenas 10 milhões de dólares – troco de bala se tratando de Hollywood e um dos recordistas quando o assunto é baixo orçamento. Pôster do filme ”CODA”, ganhador do Oscar, que conta a história de Ruby, a única pessoa que ouve em uma família de surdos. Além dos prêmios dados durante a pandemia, os três filmes têm em comum o fato de serem projetos pessoais de seus realizadores, ou seja, obras gestadas ao longo de anos e que perpetuam visões únicas sobre os assuntos por eles abordados. Longe de serem épicos, trazem holofotes para o relacionamento humano entre pessoas excluídas socialmente e evitam concluir de forma decisiva os rumos de seus personagens. Funcionam como recortes de nosso mundo, um simulacro em que não existem vilões, mocinhos e donzelas – apenas pessoas lidando com seus problemas e a dura realidade que estão submetidos. Não é à toa que seus diretores são um estrangeiro e duas mulheres, algo difícil de encontrar em antigas premiações do Oscar em que os integrantes da Academia são compostos por 70% homens, 84% brancos e com uma média de idade acima dos 60 anos. E esta percepção não fica restrita somente aos vencedores de melhor filme. Neste ano de 2022, por exemplo, tanto Jessica Chastain e Will Smith (vencedores respectivos de melhor atriz e ator) encarnaram biografias que igualmente eram projetos pessoais que já procuravam por espaço antes da pandemia. Não só atuaram, mas participaram ativamente enquanto pesquisadores, produtores e realizadores das obras. No caso de Chastain, o longa “Os Olhos de Tammy Faye” levou 8 anos de preparação e convencimento uma vez que a atriz batalhou acreditando no potencial e força da história ali presente. Já Smith se aproximou por conta própria da família Williams para conseguir os direitos de transformar a vida do pai das tenistas Serena e Venus em “King Richard, criando campeãs”. Jessica Chastain e Will Smith, vencedores de melhor atriz e ator em 2022. Nas últimas décadas, o Oscar buscou formas de tornar o evento inclusivo e plural por pressões internas e externas, principalmente por estar perdendo audiência ano após ano e sofrendo com boicotes dos realizadores. Com o advento do COVID-19, por questões mercadológicas, de certa forma este movimento se deu de maneira involuntária. Praticamente, vozes femininas, latinas, estrangeiras e negras sempre circundaram as produções e estavam na espreita apenas esperando o momento oportuno para ganhar vida. Os problemas envolvendo preconceito, acessibilidade e representatividade ainda são históricos e complexos quando se trata da indústria cinematográfica. Mas, o que fica nestes três anos da premiação é a possibilidade de achar um espaço para médias produções como instrumento de diálogo com temas que dificilmente seriam abordados nos astronômicos orçamentos das megaproduções. Assim como Shakespeare, em um momento tão difícil como o da clausura pela quarentena, cabe a reflexão sobre nosso momento e o que podemos tirar de melhor. Fica a dúvida sobre como o mercado vai reagir com os cinemas abertos em capacidade total, se este período da pandemia foi apenas um capítulo de páginas viradas ou se aquilo que ele trouxe de mais plural permanecerá.

  • Entenda como o vencedor do Oscar é eleito

    Processo de escolha para o melhor filme pode gerar confusões devido a metodologia empregada, e perfil da Academia. Todos os anos a premiação mais famosa do cinema desperta variados sentimentos no público, inclusive, questionando as metodologias empregadas em suas escolhas. Quem nunca escutou de um amigo ou familiar algumas das já célebres frases como “não acredito que tal filme ficou de fora”, ou então “só indicaram porque fez sucesso” e até “vou torcer para o meu favorito, mas a academia detesta esse tipo de filme, impossível de levar”. Deixando meramente o gosto pessoal de lado, outras questões que tocam o âmbito social e político igualmente emergem nas pautas relacionadas aos indicados ao Oscar. Vale lembrar as recentes e importantes discussões levantadas sobre a representatividade envolvendo mulheres enquanto diretoras/roteiristas, presença de negros e latinos nas mais variadas categorias e o suposto “boicote” de filmes estrangeiros e documentais que abordam assuntos tidos como polêmicos para a entidade. Nesta direção, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que dentre suas várias funções tem a premiação do Oscar como a mais importante, tem feito relativo esforço para tornar o evento mais plural. Neste ano de 2022, a entidade conta com mais de 9 mil eleitores, um enorme salto em relação a 2015 quando o número era de 6.200. Em grande medida, este um terço a mais foi convidado entre votantes mais jovens e de origens diversas, buscando assim “refrescar” o evento ao mesmo tempo que amplia o alcance das escolhas nas indicações. Vale lembrar que a audiência do Oscar vem caindo progressivamente e a de 2021 foi a menor da história. Tentando se conectar com um novo público, a Academia retornará com um apresentador (algo que não acontecia desde 2018), a transmissão do dia 27 de março será mais curta, inaugurou um prêmio de júri popular pela internet e busca cada vez mais trazer engajamento perante seus indicados. Ao todo, a premiação deste ano conta com 23 categorias em que cada um dos 9 mil membros só pode votar na área de sua especialidade. Por exemplo, se um profissional trabalha apenas com direção de arte, não pode dar opinião em outras áreas técnicas como mixagem de som e efeitos visuais. Diretores votam na categoria de melhor diretor, os atores escolhem os protagonistas e coadjuvantes, os editores nos prêmios de pós-produção e assim sucessivamente. As exceções, contudo, estão no Oscar de filme estrangeiro – em que cada país seleciona o seu representante que posteriormente será julgado por uma comissão encomendada pela Academia - e melhor filme. Na categoria mais importante da noite, todos os votantes ajudam a selecionar os longas que farão parte da lista de cinco a dez indicados daquele ano e qual se consagrará vencedor. E é aqui que reside boa parte das discussões sobre o quanto o método é assertivo e justo. A votação se dá pelo sistema de voto preferencial, ou prefential ballots, em que ao invés de se votar apenas no melhor filme, cada membro preenche uma lista com sua ordem preferencial de todos os concorrentes, do que julga mais merecedor ao menos visado à estatueta. Após o período de votação, a Price Waterhouse Coopers, empresa de auditoria contratada pelo Oscar, faz a apuração. Nesse primeiro momento, se algum filme alcançar 50% + 1, (ou seja, a maioria), ele já será consagrado com a estatueta. No entanto, se nenhum filme alcançar este êxito, é dado início ao processo de eliminação e remanejamento dos votos. Nesse cenário, a obra menos votada para a primeira colocação é retirada da disputa e todos os participantes que votaram nele terão seus votos transferidos automaticamente para o longa que ocupava a 2ª posição da sua lista. Para facilitar a compreensão, vamos exemplificar com os filmes indicados ao Oscar deste ano. Eles são: "Belfast", "Não olhe para cima", "Duna", "Licorice pizza", "Ataque dos cães", "No ritmo do coração", "Drive my car", "King Richard: criando campeãs", "O beco do pesadelo" e "Amor, sublime amor". Vamos supor que a lista do membro votante Steven Spielberg foi preenchida da seguinte forma: 1º) Belfast 2º) Ataque dos cães 3º) Drive my car 4º) Não olhe para cima 5º) King Richard: criando campeãs 6º) Amor, sublime amor 7º) O beco do pesadelo 8º) Duna 9º) No ritmo do coração 10º) Licorice pizza Neste cenário hipotético, nenhum filme obteve a maioria inicial dos votos, ou seja, 50% +1 para se chegar automaticamente no vencedor. Dando sequência, imaginemos que dentre todos os concorrentes, aquele que menos figurou no primeiro lugar dos votantes foi justamente "Belfast". Como essa era a primeira opção do nosso fictício Steven Spielberg, agora seu voto computado será para "Ataque dos cães", sua segunda colocação. Depois dessa primeira rodada, a Price Waterhouse Coopers computa os votos remanejados e verifica novamente se algum longa atingiu a maioria. Se ainda assim nenhum filme alcançar a marca, ocorrerá uma nova rodada de eliminação e remanejamento até que algum seja declarado o grande vencedor. Apesar de parecer democrático, processual e justo, este tipo de metodologia empregada esconde alguns problemas em sua concepção. Em primeiro lugar, temos que ter em mente que o longa apontado como melhor filme remete ao perfil dos membros da Academia. De acordo com dados do The New York Times, a entidade era composta em dezembro de 2019 por 70% homens e 84% brancos. Além disso, a média de idade dos votantes era de 62 anos. Por esse motivo e em meio a críticas aqui já apontadas, nos últimos anos surgiu um grande esforço do Oscar em diversificar seu corpo votante, para que uma maior gama de filmes seja contemplada. Contudo, essa mudança é gradual e será sentida nas próximas décadas. Além disso, este tipo de sistema para a escolha do vencedor acaba premiando filmes medianos no sentido literal da palavra. Isso porque, no processo de redistribuição dos votos, se um título é colocado muitas vezes em segundo, terceiro ou até mesmo quarto lugar, ele tem grandes chances de virar primeiro graças às sucessivas eliminações para chegar na maioria (50% +1 dos votos). Em contrapartida, filmes divisíveis acabam ficando de fora da disputa já que, em muitos casos, propõem discussões polêmicas, trazem novidades narrativas e estéticas, provocam sentimentos variados e abordam temas caros para nossa sociedade. Ou seja, aqueles filmes que poderíamos enquadrar na condição de “ame-o ou deixe-o”, mesmo que tenha sido o mais indicado em primeiro lugar, acabam perdendo caso ele igualmente tenha sido colocado nas últimas posições. Estes e outros motivos fazem com que paire sobre o Oscar algumas desconfianças ano após ano. Por conta do sistema utilizado junto ao perfil homogêneo que ainda prevalece entre os votantes, vários longas que já ganharam o prêmio de melhor filme acabam sendo aqueles que menos despertam discussões, sentimentos e que pouco trouxeram algo de novo para a cinematografia mundial. Vale lembrar alguns deles, como é o caso de “Shakespeare Apaixonado” e “Spotlight: Segredos Revelados” em que - independentemente de suas qualidades narrativas e técnicas - foram apontados nas suas respectivas épocas como meramente medianos, posição que figuraram nas listas dos votantes em 1999 e 2016. Agora, quem sabe, o senso-comum presente na frase “vou torcer para o meu favorito, mas a academia detesta esse tipo de filme, impossível de levar” faça maior sentido.

  • Boicotes de filmes na Rússia

    De que forma a indústria e grandes festivais de cinema estão agindo durante a guerra na Ucrânia. Proibir é a melhor solução? Durante o século passado, a indústria do cinema foi amplamente utilizada dentro das estratégias geopolíticas de países envolvidos em conflitos. Seja durante as guerras mundiais, ou ao longo das décadas subsequentes na queda de braço entre EUA e URSS, os filmes desempenharam importante papel ao propagandear valores e visões relacionados aos governos, entidades e grupos envolvidos. Não é à toa que os vilões de James Bond sempre se adaptaram ao tempo, passando de alemães para russos até chegar em células terroristas conforme os anos avançavam. Eis que agora, em tempos de guerra na Ucrânia, o cinema novamente entra na discussão envolvendo seus usos dentro do contexto global. Afinal de contas, sua penetração no mundo intimamente interligado de hoje implica decisivamente na economia, política e causas humanitárias como um todo. Gigantes da indústria norte-americana, como Disney, Warner, Paramount e Sony, anunciaram que só vão exibir seus lançamentos quando Vladimir Putin anunciar cessar-fogo. Os russos já não verão o novo "Batman", com Robert Pattinson, nem estreias próximas como "Morbius", “Red - Crescer É uma Fera", "Sonic 2: O Filme" e "Cidade Perdida", sendo que a lista tende a só aumentar. Iniciativas como estas impactam decisivamente o mercado cinematográfico, já que o país do leste europeu é muito importante, seja no sentido do consumo ou de sua produção local. A decisão do boicote é pensada equalizando esse contrapeso, como uma lógica colocada na balança. De um lado, há um efeito simbólico no isolamento, da estigmatização e pressão sobre o governo de Moscou. Já do outro, a grande perda mercadológica sentida pelos estúdios ocidentais. Apenas para ilustrar, neste começo de Março, títulos como “Morte no Nilo” e “Uncharted” ocupam os primeiros lugares da bilheteria russa. Anteriormente, “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa” alcançou a marca de US $44 milhões e “Venom: Tempo de Carnificina” outros US $32 milhões no país. Vale apontar um detalhe particular do mercado russo que faz com que os dois lados desta equação se misturem ainda mais. Mesmo que as salas de cinema do país sejam privadas, as plataformas de publicidade são todas estatais, o que, de forma direta, ajudaria a financiar o governo Putin. Contudo, os impactos dentro da indústria não se restringem apenas aos filmes de super-heróis ou em animações infanto-juvenis. Para além das sanções que geram grandes impactos econômicos, renomados festivais estão aderindo ao boicote. Depois que a Academia de Cinema da Ucrânia criou uma petição virtual pedindo retaliação à Rússia, o Festival de Glasgow, que começou neste mês de Março no Reino Unido, baniu dois filmes russos da programação ("No Looking Back", de Kirill Sokolov, e "The Execution", de Lado Kvataniya). O mesmo ocorreu com o Festival de Estocolmo, da Suécia, que retirou da programação filmes com financiamento estatal do país. Já o Festival de Cannes, na França, não aceitará a presença de delegações oficiais ou qualquer pessoa ligada ao governo de Putin no evento. Indo mais além, autarquias que regem o segmento cultural na Ucrânia pedem maior recrudescimento no campo artístico. A iniciativa fez alguns pedidos específicos para a Convenção Europeia de Coprodução Cinematográfica, visando excluir a Rússia do organismo de financiamento para barrar coproduções, e para a Federação Internacional de Associações de Produtores de Cinema, solicitando que retire o credenciamento do Festival Internacional de Moscou do seu circuito de eventos. Se tornando uma tendência global, a prática do cerceamento cultural frente à Rússia pode esconder problemas graves relacionados a artistas que utilizam seus filmes como forma de denunciar a realidade do país através de suas óticas pessoais. A replicação de um movimento punitivista acaba estigmatizando toda a população e seus bens culturais, aproximando assim automaticamente qualquer filme russo à política externa praticada pelo Kremlin. Reconhecidos historicamente como lugares plurais que promovem debates entre seus participantes, os festivais acabam por silenciar possíveis expressões internas sobre o cotidiano russo de alguém que vive naquele contexto e que busca denunciar a realidade ali sentida. O fenômeno do boicote em salas de cinema e festivais também surpreende porque isso não ocorreu em conflitos recentes. A própria Europa abriu fundos para ajudar a fomentar produções de países que têm suas democracias em risco. Vale lembrar que mesmo sob os embargos durante a Guerra Fria, os Estados Unidos colaboraram de forma indireta com a produção de filmes em países próximos da URSS. Diversos documentaristas cubanos, por exemplo, mesmo no período do isolamento em relação ao ocidente, levaram suas obras a festivais do mundo inteiro no intuito de mostrar o que acontecia internamente na ilha. Até o momento da publicação deste texto, as negociações entre Rússia e Ucrânia não preveem cessar-fogo. Resta então para as câmeras do audiovisual apenas registrar a atualidade para posteriormente mostrar ao mundo as várias facetas do conflito. Em algum momento, o cinema russo retornará ao circuito mundial e o cinema mundial retornará ao circuito russo. Cabe observarmos de que forma isso ocorrerá e quais rusgas permanecerão economicamente e culturalmente nesta relação.

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