Rodar filmes em locais inóspitos requer atenção redobrada, pois quem iria imaginar que faltará neve no Canadá ou que choveu demais no deserto.
Ao assistirmos um filme, muitas vezes durante uma cena muito impactante, nos pegamos tentando entender como isso foi filmado ou que técnica de edição foi usada. Porém muitas vezes o maior obstáculo de uma produção não é filmar, mas sim chegar na locação e, mais ainda, fazer os equipamentos funcionarem corretamente.
Esse tipo de desafio passa batido muitas vezes quando assistimos a um filme que se passa no deserto, no Ártico, em alto mar ou mesmo no espaço. No entanto, filmar nessas locações extremas requer uma atenção redobrada da produção com relação às câmeras, equipamentos de luz, áudio e principalmente à equipe que trabalhará durante a filmagem.
As câmeras são as que mais sofrem em condições extremas de temperatura, pois elas foram projetadas para aguentar até um limite seja de frio ou calor. Mas, como sabemos bem, não se filma um longa em 1 dia, então a exposição delas por longos períodos a esses climas geralmente acarretam em intempéries ou em soluções criativas da equipe para mantê-las em perfeito funcionamento.
Durante as gravações de Mad Max: Estrada da Fúria de 2015, a equipe do diretor George Miller teve que criar diversas artimanhas para lidar com as variações climáticas do deserto da Namíbia. Devido às frequentes tempestades de areia, o que colocaria em risco as câmeras e rolos de filme durante as trocas de magazines, foi optado por filmar tudo em formato digital, uma novidade para o diretor de fotografia John Seal, que em mais de 30 anos de carreira, nunca tinha trabalhado desta maneira.
Além dos desafios pessoais, a equipe teve que desenvolver caixas a prova de choque, para que os HDs onde as imagens eram armazenadas não fossem danificados durante as diversas corridas em alta velocidade pelo deserto. Outra dificuldade foi ter que levantar torres de transmissão no meio do deserto para que os diretores pudessem receber e ver as imagens que estavam sendo gravadas a quilômetros de distância no meio do deserto.
Isso sem contar que o filme estava programado para rodar no outback australiano, porém a região extremamente árida experimentou meses de chuva pouco antes das gravações começarem, o que fez com que plantas e flores crescessem no deserto, obrigando a equipe mudar de continente para as gravações.
Outro filme que ganhou notoriedade por ter problemas durante a produção foi o que ironicamente foi vendido aos estúdios como o Mad Max dos mares, o épico Waterworld - O Segredo das Águas de 1995 com Kevin Costner. O filme foi rodado inteiro em alto mar, na ilha mais ao norte do Havaí, chamada de Kawaihae, sendo sua tradução literal “Água da Ira”. Com um apelido desses, nem a reza feita de um Kahuna - alto clérigo da cultura local - foi suficiente para afastar a produção dos problemas que estavam por vir.
A logística para levar centenas de atores, figurantes e equipe para os sets em alto mar demorava cerca de 4 horas e, por se tratar de alto mar, as ondas e a maré deixavam todos enjoados com muita frequência. Como se isso não bastasse, a produção demorou tanto que acabou entrando na época de furacões, o que acabou afundando o set principal do filme de cerca de 5 milhões de dólares.
Gaiolas especiais para as câmeras precisaram ser desenvolvidas para proteger as câmeras das águas turbulentas, ainda mais se tratando de 1995, quando eram usados frágeis filmes em película. Por isso, a equipe tinha um barco especial para descarregar os rolos que já tinham sido gravados e carregar os novos sem que fossem expostos à luz ou danificados pela água.
Problemas com o clima afetam as produções o tempo todo, independente se forem gravados no calor sufocante do outback australiano ou no norte gélido do Canadá. Durante as filmagens de O Regresso, filme vencedor do Oscar de 2015, a equipe se deparou com algo inusitado durante o inverno canadense: Quem poderia adivinhar que faltaria neve na locação? Isto fez com que a produção mudasse no meio das gravações até a Patagônia para finalizar as gravações.
Porém antes da mudança de locação, a equipe sofreu muito com o frio do inverno na base do Ártico. Os atores tinham que cuidar para não gangrenar suas mãos e pés durante os takes, precisando um tempo maior entre as tomadas para poderem recuperar os movimentos dos membros.
As câmeras também sofreram com o frio, pois as baterias tinham que trabalhar dobrado para mantê-las funcionando pela alta demanda de energia. Desta maneira, sua substituição acontecia de meia em meia hora e uma grande quantidade de baterias reservas eram levadas até o set. Containers climatizados foram alugados para o armazenamento dos equipamentos para evitar as mudanças de temperatura muito bruscas, pois se eles simplesmente saissem do ambiente congelante e entrassem no hotel climatizado, corria o risco de condensar as câmeras e principalmente as lentes, causando danos irreparáveis que poderiam atrasar a produção.
Para finalizar vamos para a órbita terrestre, afinal de contas não existe ambiente mais extremo do que o espaço sideral.
Desde as primeiras viagens espaciais, os astronautas e cosmonautas carregam consigo câmeras para documentar as viagens e experiências. A primeira missão a ter uma câmera operada por um humano foi a Mercury-Atlas 6 de 1962, que contou com a ingenuidade do astronauta John Glenn, que teve a ideia por conta própria e comprou uma pequena máquina com seu dinheiro. Porém, ao comunicar para a NASA, o equipamento teve de ser modificado para sua operação acontecer sem ter a necessidade de retirar as grandes luvas do traje espacial. Foi então criado uma manopla customizada e, além disso, montaram a câmera de cabeça para baixo para que Glenn pudesse acessar os comandos de disparo dentro da nave.
Desde então, muitas câmeras já foram enviadas ao espaço para realizar diversos experimentos, gravações de comerciais, filmes e documentários. Foi o caso do longa A Beautiful Planet: A Terra Vista do Espaço, de 2016. Filmado para Imax, a produção contou com diversos desafios principalmente no envio das imagens gravadas para a equipe em terra. Por se tratar de gravações em 4K, os arquivos eram grandes demais e nenhum satélite conseguia dar conta. Por este motivo, os astronautas filmavam inúmeros gigas de imagens e, quando tinham uma missão de ida ou volta para a ISS (sigla em inglês da Estação Espacial Internacional), esses HDs eram enviados para a Terra.
Outro grande desafio diz respeito à alta radiação no espaço já que as câmeras são danificadas depois de algum tempo em órbita, perdendo resolução e tendo até alguns pixels queimados. Desta forma, elas tinham que ser substituídas de tempos em tempos, porém assim como os HDs, eram enviadas em missões esporádicas. Por se tratar de um lançamento de um foguete, às vezes as coisas não saem como o esperado, como a explosão da missão da SpaceX Falcon 9 de 2015, que carregava uma destas câmeras. Com isso, a produção do documentário acabou se adaptando ao criar um software para corrigir os erros que viriam a ser captados pela câmera antiga que já estava na ISS.
A próxima vez que você assistir a um filme que se passa em algum lugar remoto, tente imaginar os problemas e as soluções que a equipe teve que enfrentar durante as gravações. Nós da Fauno Filmes ainda não tivemos a oportunidade de filmar no espaço ou em um deserto, porém em muitos projetos somos desafiados frente a diferentes e inusitadas locações. Em suma, mesmo lidando com as adversidades, estes locais são recompensadores pois as imagens lá captadas acabam se tornando únicas e diretamente condizentes com a proposta do filme.
Este foi o caso da nossa obra 2021: Uma Nova Odisseia no Espaço em que precisávamos emular quatro planetas distintos em que a protagonista acabava visitando. Para Marte, por exemplo, gravamos em uma pedreira abandonada em que o grande desafio se deu na logística e energia elétrica, já que a tomada mais próxima ficava a quilômetros de distância.
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