O documentário é considerado um gênero de filme assim como o thriller, comédia romântica, musical e o filme noir. Este tipo de divisão se satisfaz em alguns casos, conseguindo comunicar de maneira direto ao público o que ele poderá encontrar caso decida assistir determinado conteúdo. Contudo, a heterogeneidade do documentário parece não caber dentro de uma simples definição de gênero audiovisual.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Mas então, do que se trata este tipo de cinema?
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Antes de falar necessariamente sobre o que ele é, se faz necessário dizer o que ele não é.
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O documentário carrega junto ao seu nome o peso do senso comum de que é a realidade na tela.
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Desta falsa impressão, as imagens teriam a função de retratar o verdadeiro, o mundo real lá de fora, ou seja, são indiciais e inquestionáveis. Porém, nada daquilo que passa através das lentes de uma câmera, pelo processo de enquadramento, seleção e edição, pode ser chamado de real. Existe sim a interferência que acompanha todo o processo, indo desde o enfoque a ser dado pelo documentarista, até as escolhas referentes ao corte final. Ou seja, o documentário é um conteúdo que envolve escolhas e, por este motivo, não deve ser visto como neutro.
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O termo de não-ficção também não é satisfatório, porque ficção e documentário não são antagônicos. Não há ponto determinante em que um termina para o outro começar, afinal de contas, no seu cerne, ambos podem carregar características compartilhadas.
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Todo filme é um documentário. Mesmo a mais extravagante das ficções evidencia a cultura que a produziu e reproduz a aparência das pessoas que fazem parte dela. Este tipo de cinema expressa de maneira tangível aquilo que faz parte de nossa sociedade, tornando concretos - visíveis e audíveis - os frutos da imaginação. São obras cujas verdades e pontos de vista podemos adotar como nossos ou rejeitar, uma vez que oferecem mundos a serem explorados e contemplados - ou podemos simplesmente nos deliciar com o prazer de nos transportarmos para outra realidade, mas que, no fim das contas, é calcado em nosso presente.
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O mesmo pode ser dito sobre um documentário. Contudo, vale ressaltar alguns pontos que fazem toda a diferença.
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O realizador do documentário busca em seu filme montar uma narrativa que estabeleça enunciados sobre o mundo histórico, ou seja, parte do pressuposto daquilo que já estava lá. Esses filmes representam os aspectos de um cenário que já ocupamos e compartilhamos, tornando visíveis e audíveis os conteúdos de maneira distinta, uma vez que passam pelo crivo e ótica pessoal do cineasta. Todo filme - e peça artística em si - possui suas próprias verdades, sendo que isso é ainda mais evidenciado no caso dos documentários pelo fato dele se calcar na preservação de elementos cotidianos para acontecer.
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Aproveita-se o ambiente natural do entrevistado ou da situação da captação. Os figurinos dos personagens não são definidos (sempre levando em conta a maioria das produções) ou planejados de acordo com o filme. As falas são provocadas, não-naturais – já que ninguém é completamente o si real em frente a uma câmera -, porém não são decoradas ou ensaiadas, a menos que esta seja a intenção da produção. As intervenções de luz e maquiagem são poucas ou nenhuma. Não há ensaio de posições ou atos. O que estava lá será transformado no filme, uma certa representação imagética daquilo encontrado na frente da câmera.
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Por estes e tantos outros motivos, o documentário é o berço do cinema de guerrilha, ou seja, quando o filme é gravado com uma equipe enxuta e com baixo impacto no meio onde estão. Isto faz com que os custos, em sua maioria, despencam em relação a outros tipos de gêneros, além de dar um tom todo pessoal e intimista para a obra.
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Este também é um tipo de cinema muito atrativo para iniciantes, pois como diria Glauber Rocha, basta “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Contudo, a eventual “acessibilidade” da produção pode esconder a complexidade relacionada ao seu planejamento. Na etapa de pré-produção são definidos os rumos que o filme vai tomar. Com um preparo bem feito é possível visualizar partes de como ficará o produto final antes mesmo de começar a gravar.
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É a fase de responder perguntas. E quando se trata de documentários, elas são muitas.
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Para começar, vale destacar que o gênero documental não se fecha em si, que possua apenas uma única forma de ser realizado. Pelo contrário, assim como o filme ficcional, ele se abre para inúmeros outros subgêneros, cada qual com suas próprias características e finalidades.
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Por exemplo, ele pode ser um doc participativo. Isto ocorre quando o diretor é peça chave para o filme, guiando a narrativa e interagindo com os personagens de maneira ativa. Geralmente, o documentarista faz parte e já compreende parte daquilo que está buscando retratar nas lentes, fazendo dele igualmente um personagem da narrativa. Outro formato bem popular diz respeito ao doc dispositivo. Nesta escolha, o documentarista propõe um “desafio” aos sujeitos do filme com a intenção de interferir e estudar suas reações, criando assim um debate sobre o tema proposto a partir desta nova mediação.
RUA DE MÃO DUPLA (2002) – CAO GUIMARÃES
Legenda: Longa-metragem “Em Rua de Mão Dupla”, de Cao Guimarães O documentário dispositivo propôs aos seus participantes a única tarefa de trocar de casa por 24 horas. As famílias tinham que filmar com uma simples câmera digital o seu “novo” dia-a-dia, contando suas impressões e angústias habitando estes locais desconhecidos.
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Outra questão importante que todo diretor deve fazer ao realizar um documentário é a respeito do tempo. A etapa de produção deste tipo de filme é muito variada, pois dependendo do assunto abordado, a duração das gravações obedece a naturalidade com que os eventos a serem registrados acontecem. Exemplificando, desde um dia como foi o caso de “Life in a Day” (2011), que conta como é um dia na terra a partir de diferentes pontos de vista, ou um mês no caso de “Super Size Me” (2004), quando o documentarista fez o experimento de comer somente fast-food durante o período de 30 dias, ou quem sabe 13 anos em “Voyage of Time” (2016) que conta a história do universo e a vida.
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Como já vimos, ao contrário de produções de ficção que requererem atores, equipamento de iluminação e equipe técnica variada, o documentário não se pode dar ao luxo de perder uma cena - que acontece espontaneamente durante as gravações - por estar montando uma luz ou ajustando um elemento de cena. Tudo acontece muito rápido e muitas vezes se tem apenas uma chance para capturar uma passagem crucial para o desenrolar da história. Em outros momentos é preciso paciência para que aquilo buscado aconteça como planejado.
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Na etapa de pós-produção as coisas não ficam mais fáceis. E aqui entra outra questão: Como montar tudo aquilo coletado em imagens e sons e, assim, finalizar em um filme?
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Em linhas gerais, chegou a hora de assistir o material bruto, selecionar os melhores takes e editar
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Em média um longa-metragem de ficção tem uma proporção de 10:1, o que significa que para cada 10 minutos filmados, 1 vai para o filme final. Essa proporção para documentários sobe para a média de 40:1, sendo o céu o limite, dependendo do tempo de produção.
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Claro, estes números são na média. Existem longas ficcionais como “Mad Max: Fury Road” (2015), que devido à natureza de como foi gravado, com muitas das cenas de ação sendo captadas sem o auxílio de computação gráfica, foram necessários gravar com múltiplas câmeras rodando ao mesmo tempo, o que jogou a proporção para 240:1.
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Uma vez revisados todo o material bruto, entra a questão de como montar este filme, para que ele transmita a visão do diretor sem deturpar a proposta contida no planejamento. Esta é uma questão muito complexa e delicada, pois com a mágica da edição, pode-se alterar os fatos e influenciar a opinião do público. Além disto, a vasta gama de material pode gerar conflitos – muitas vezes positivos - na mente do documentarista.
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Para o realizador do documentário, os imprevistos, barreiras e adendos fazem parte do todo. Se o documentário planejado antes da captação for o mesmo do resultado final, então não houve aprendizado durante o processo. O desenvolvimento da linguagem só se concretiza na filmagem. E é a liberdade de linguagens, estilos e formas que tornam o documentário um resultado único dentro do cinema.
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O documentarista tenta convencer o receptor de seu ponto de vista e seus argumentos sobre a representação de mundo através da imagem, mas o receptor possui suas próprias convicções a respeito do mundo que pode compartilhar com o filme ou produzir uma relação antagônica com o discurso apresentado. Assim, até na hora da exibição, os conceitos de verdade, real e objetividade encontram barreiras – agora fora da realização, no outro, no espectador com poder de conceitualizar a própria verdade.
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E não por acaso é um gênero de filme que tem uma categoria específica para ela no Oscar, tanto para formato de longa quanto curta-metragem.
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Esta é uma das formas como nós da FAUNO FILMES gostamos de trabalhar, ou seja, captando as coisas como elas são de forma natural e espontânea. Muitas vezes, implementamos o estilo documental em nossos projetos para filmes corporativos, mostrando assim sua empresa para um público cada vez mais engajado e acostumado com este gênero narrativo. Por mais que ele não seja a realidade em si, o espectador identifica diversos elementos partilhados que retratam o mundo, que não forma alterados e sim compartilhados com a câmera.
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Legenda: Risotolandia – Vídeo institucional onde a equipe acompanhou um dia na rotina de uma das maiores empresas de refeições do sul do Brasil.
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