Como a simples mudança na cor muda toda nossa compreensão sobre um filme.
Existem inúmeras ferramentas que os cineastas e fotógrafos utilizam para contar uma história, e algumas delas são tão sutis que muitas vezes passam despercebidas pelo espectador comum. Então vamos apresentar uma destas ferramentas para que você expanda seu conhecimento sobre o mundo do cinema, afinal, se você está lendo nosso blog e está buscando informações sobre a indústria, você já não é um espectador comum e será capaz de identificar a sutileza do balanço do branco nos filmes. Além disso, no final desta postagem, vamos mostrar um experimento que você pode fazer em casa para alterar o balanço do branco dos seus olhos.
Vamos começar falando um pouco sobre história, seguido pelo ajuste nas câmera e finalizar apresentando as possibilidades de alteração e impactos que isso pode causar na pós-produção e no filme em si.
Em 1848, William Thomson - que viria a se chamar Barão Kelvin - publicou uma nova teoria termométrica baseada no zero absoluto que serviu para padronizar o mundo da ciência. Nós estudamos nas aulas de física no colégio sobre as escalas de temperatura em graus Celsius, Fahrenheit e Kelvin, sim esse mesmo Kelvin. Mas o que diabos isso tem a ver com cinema?
O cinema está muito ligado com o mundo da ciência, assim como sua precursora a fotografia, em que a revelação dos filmes em película nada mais é que uma reação química da prata. Os avanços tecnológicos sempre empurram a indústria do cinema adiante com a criação de sensores digitais, estabilizadores e drones, tudo isso devido ao avanço científico.
Voltando ao nosso amigo Kelvin, com a criação da sua nova escala e a padronização das medições de temperatura, surgiu a necessidade de se medir a da luz. Porém, existem diversas fontes de iluminação, como a lâmpada incandescente, fluorescente, vapor de sódio e, claro, o sol. Quando se muda a fonte, a temperatura também altera de uma para outra.
Balanço de branco é um ajuste que você faz na câmera antes mesmo de começar a filmar/fotografar. Basicamente, dizemos para a câmera qual o tipo de luz que estamos usando em cada momento, para que o sensor saiba interpretar a imagem e fazer os ajustes necessários para que as cores fiquem o mais fiel possível comparado com nossos olhos. Este ajuste é feito através do botão “WB” - o white balance, literalmente balanço de branco em inglês.
Dentro no menu de “WB” na câmera temos várias opções, sendo alguns presets baseados em cores já conhecidas de temperatura, como as fontes que citei acima. Elas são: lâmpadas incandescentes (3200K), fluorescentes (4200K) e sol (5500K). Além destas predefinições, existe a opção de você selecionar manualmente qual temperatura você julga adequada, tudo isso para que as cores fiquem o mais fiel possível aos olhos humanos, ou, para transmitir a sensação desejada. Neste ponto as coisas começam a ficar interessantes.
Os cineastas utilizam desta técnica para acrescentar mais uma camada de dicas visuais para que o espectador sinta diferentes sensações/emoções em partes específicas de seus filmes. Quando o personagem está em casa brincando com os filhos na noite de natal, em um clima aconchegante e familiar, geralmente a cor da cena puxa para o vermelho, pois isso passa a sensação de calor e conforto. Porém, se esta mesma família é disfuncional ou existe alguma rusga entre os personagens, o branco puxa para o azul ou verde, remetendo assim o tom da sequência para algo mais frio e desconfortável.
Isto é utilizado também para acentuar sensações que você já está vendo na tela, como por exemplo em A Múmia de 1999. Como o filme se passa no deserto do Saara, local extremamente seco e quente, as pessoas indiretamente fazem essa associação e, os diretores sabendo disso, realçam a cor colocando um leve tom amarelado. Isso faz com que a sensação de calor passe a se tornar desconfortável até mesmo para o espectador.
Já em Top Gun Maverick de 2022, nas cenas de batalha que se passam sobre a neve e o mar, é adicionado um leve toque de azul, aumentando assim a sensação de frio e tensão nas cenas.
Esta ferramenta é muito utilizada no cinema hollywoodiano a ponto de ter virado chacota para o resto do planeta - inclusive por reforçar estereótipos. Durante a guerra fria, era muito comum que os vilões dos filmes fossem russos e sempre eram mostrados em tela junto a cor azul para complementar o tom frio e calculista de suas personas. De forma semelhante, quando o filme se passa no México, o sépia amarelo é muito presente para separar cenas que se passam no país latino-americano com aquelas filmadas nos EUA.
Além dos ajustes em câmera, algo que é muito utilizado por profissionais da área são os cartões de cor, que servem como referência para a pós-produção. O câmera capta uma imagem onde será feita a filmagem com as luzes de cena já postas e nesta imagem é colocado o cartão de cor contendo vários tons de cinza e uma amostra de algumas cores.
Esta imagem é utilizada pelos editores no momento de fazer a colorização do filme. Assim, ele tem um padrão como referência e a partir dele pode criar dando o tom desejado para cada cena de acordo com a intenção do filme naquele momento. Esta é uma forma mais segura de atingir as cores desejadas, pois caso ele não tivesse esta imagem e fosse se basear no vestido da atriz que está em cena, por exemplo, nem sempre o branco das roupas é igual, tendo inúmeras variações como branco neve, branco gelo, branco creme… abrindo assim margem para erros e retrabalhos desnecessários.
Em um recente trabalho da Fauno Filmes em parceria com a Associação São Roque, produzimos um musical baseado nas obras de David Bowie todo interpretado e cantado pelas crianças que fazem parte do projeto. A astronauta Major Tom vai em uma missão espacial a Marte, para expandir os limites do conhecimento humano, porém acaba em planetas inóspitos e desconhecidos.
No filme “2021 Uma nova odisséia no espaço”, trabalhamos com bastante variações de balanço de branco, para realçar as emoções e sensações que a protagonista encontrava nestes diversos planetas.
Confira neste link o teaser do filme e, caso tenha interesse, a obra está disponível gratuitamente no canal do youtube da Fauno Filmes.
Agora como prometido, vamos ao experimento que você pode fazer em sua casa. Pegue dois objetos que sejam grandes o suficiente para tampar o seu olho por inteiro, um de cor mais azulada/fria e outro de cor mais quente puxando para o vermelho. Olhando para fora da janela, mantenha os dois olhos abertos e cubra um deles com um dos objetos, agora cubra o outro olho com o outro objeto, vá intercalando para notar as diferenças. Percebeu a mudança?
Isso é o seu cérebro (sensor da câmera), se adaptando aos comandos de balanço de branco (os objetos) que você coloca na sua câmera (seus olhos). Desta forma, você pode “alterar” o que está vendo entre duas tonalidades de maneira quase que instantânea.
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